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quarta-feira, 4 de julho de 2018

De Cabinda a Estrasburgo

POLÍTICA      Destaque
Redacção F8
4 de Julho de 2018

Os independentistas da FLEC/FAC apelaram hoje à intervenção do Parlamento Europeu para travar a “escalada de repressão” e “ocupação” angolana em Cabinda, horas antes de João Lourenço se tornar no primeiro Presidente de Angola a discursar em Estrasburgo.

Em comunicado, assinado pelo porta-voz da organização independentista, Jean-Claude Nzita, afirma que “os Direitos do Homem, o Direito Internacional, a Democracia, são sistematicamente violadas no território de Cabinda”.

“O Parlamento Europeu deve intervir urgentemente e de forma firme junto do Governo de João Lourenço, para que ele ponha termo à escalada de repressão e que cesse a sua política de ocupação e de opressão, e inicie o processo de diálogo franco e sincero”, afirma o porta-voz da Frente de Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC/FAC).

Acrescenta que o Parlamento Europeu “deve denunciar e condenar, em termos muito duros, a política de terra-queimada que o regime de João Lourenço faz passar à população cabindesa”, o que a FLEC/FAC diz colocar “gravemente em causa a Paz no território”.

“Apelamos, em particular ao Presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, para que apoie o povo de Cabinda a exercer o seu direito inalienável à autodeterminação, de acordo com os princípios e objectivos da Carta das Nações Unidas”, lê-se ainda.

Esta organização luta há cerca de 50 anos pela independência de Cabinda, contestando sempre o que apelida de “invasão militar angolana após o acordo de Alvor”, assinado em 1975, e considerando que “as autoridades políticas portuguesas, sem qualquer consulta aos cabindas, os entregaram aos angolanos”.

A FLEC/FAC recorda que em 1 de Fevereiro de 1885 foi assinado o Tratado de Simulambuco, que tornou aquele enclave um “protectorado português”, o que está na base da luta pela independência do território.

Desde 2016, com o reactivar dos ataques em Cabinda, a organização já reivindicou ter estado na origem da morte de dezenas de militares angolanos, em emboscadas, informação quase sempre negada pelo Governo e pelas chefias militares de Angola.

Hoje, pelas 12 horas, João Lourenço vai tornar-se no primeiro chefe de Estado angolano a discursar na assembleia europeia, numa intervenção na qual deverá abordar as relações e a cooperação UE-Angola em vários domínios, o desenvolvimento, as migrações e a promoção da estabilidade e da paz no continente africano.

Antes, o chefe de Estado angolano terá um encontro bilateral com o presidente do PE, Antonio Tajani.

Angola exerce actualmente a presidência do órgão de cooperação nos domínios político, de Defesa e Segurança da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).

A parceria entre Angola e a União Europeia (UE) tem por base o Acordo de Parceria de Cotonu. 
As negociações para a renovação deste acordo, que expira em Fevereiro de 2020, deverão ter início no mês de Agosto.

O conflito latente no enclave de Cabinda, por parte da FLEC/FAC, é um dos riscos à segurança em Angola admitido pelo Governo angolano numa informação prestada aos investidores.

No documento é referido que “apesar dos esforços do Governo, a contínua actividade criminosa, a agitação e os conflitos políticos no país podem levar a uma redução na produção de petróleo, deter o investimento estrangeiro directo e levar ao aumento da instabilidade política”.

A situação de Cabinda – a principal província produtora de petróleo em Angola -, é considerada a mais instável, referindo-se que desde a morte do líder da FLEC, Nzita Tiago, em Junho de 2016, que se verifica um “conflito entre várias facções” pela liderança daquele grupo independentista.

Numa posição rara num documento oficial reconhecido pelo Governo angolano, o texto refere que têm ocorrido “escaramuças e emboscadas militares em Cabinda, como resultado da campanha contínua da FLEC”, pela independência da província.

Portugal e Cabinda

Por muito que queiram os novos protagonistas lusos (nomeadamente Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa), a História de Portugal (bem como o próprio país) não começa em 1974. 
E no que às ex-colónias de África respeita, começou antes dos Acordos do Alvor. 
Antes com honra, depois com uma aviltante e continuada subserviência perante os novos donos desses países.

No caso de Cabinda, Portugal honrou desde 1885 e até 1974, o compromisso que incluiu constitucionalmente Cabinda na Nação portuguesa de forma autónoma. 
Depois disso, rendido, varreu a honra e a dignidade para debaixo do tapete, seguindo as instruções dos novos e ignorantes donos do país.

Assim, no artigo da Constituição Portuguesa referente à Nação Portuguesa sempre constava que o território de Portugal era, na África Ocidental, constituído pelo Arquipélago de Cabo Verde, Arquipélago de S. Tomé e Príncipe, Forte de S. João Baptista de Ajuda, Guiné, Cabinda e Angola.

Ao contrário do que têm dito os donos da verdade portuguesa, quase todos paridos a partir de 1974 nas latrinas da ignorância e da ignomínia, estava bem expresso (mesmo para os que para contarem até 12 têm de se descalçar) que Cabinda e Angola eram situações diferentes.

Pouco antes de 1974, a Lei Orgânica do Ultramar (1972) dizia de forma clara que os territórios ultramarinos se compunham das províncias com a extensão e limites que constarem da lei e dos tratados ou convenções internacionais aplicáveis.

Várias gerações de estudantes portugueses anteriores a 1974 leram que existia uma completa separação jurídica e administrativa que a Constituição indicava para o território de Cabinda.

Se tiverem dúvidas, os actuais deputados e outros políticos similares poderão consultar os livros escolares dessa altura.

Ao nível dos principais políticos portugueses ainda haverá no activo quem se recorde que, a nível alfandegário – por exemplo, Cabinda e Angola funcionavam também como territórios distintos.

Também haverá quem tenha testemunhado, in loco, que no aniversário da assinatura do Tratado de Simulambuco havia cerimónias específicas.

Se a verdade servir para alguma coisa…

Em 1955, apenas para facilitar a administração do Enclave e alguma economia de meios, Cabinda foi considerada como um distrito de Angola. 
Apenas por isso já que em termos constitucionais tudo continuava na mesma.

Segundo o general Silvino Silvério Marques, que foi Governador Geral de Angola, entre 1962 e 1965, o ministro Silva Cunha escreveu que, aquando a preparação do Estatuto Político-administrativo da Província de Angola de 1963, Salazar mandou perguntar ao Governador Geral de Angola se concordava que Cabinda, administrada nessa altura como distrito de Angola, passasse a usufruir de um estatuto especial de autonomia.

Recorde-se que, ouvido o Conselho Económico-Social de Angola, foi respondido negativamente depois de ponderadas as razões que lhe eram apresentadas, situação que se manteve durante os 13 anos de luta.

Assim, fazendo fé de que a História de Portugal não começou só a ser escrita a partir de 1974, a situação de Cabinda relativamente a Angola era, em 1974, idêntica à dos protectorados belgas do Ruanda e do Burundi em relação ao Congo Belga.

Isto significa que se tornaram independentes, separados do Congo ex-belga, depois de, em 1960, a grande colónia belga se ter tornado independente.

João Lourenço e Cabinda

Quando, em Novembro de 2014, o Ministro da Defesa de Angola, João Lourenço, visitou Cabinda, recomendou que os militares das Forças Armadas Angolanas (FAA) na Região Militar Cabinda se mantivessem permanentemente vigilantes, visando a preservação da paz, soberania e das instituições do Estado, perante qualquer ameaça.

Foi uma posição no mínimo curiosa. 
Isto porque, segundo as teses do regime, Cabinda era uma região há muito pacificada. Pelo que então transpareceu, e o mesmo se passa hoje, João Lourenço tinha outras informações que podiam indiciar duas coisas. 
Ou a FLEC estava de facto viva e disposta, apesar de tudo, a lutar, ou estava em preparação uma – mais uma – caça às bruxas, mesmo que elas não existam.

“A província de Cabinda tem um particular histórico na sua trajectória para a soberania nacional. 
Daqui saíram grandes combatentes que aprenderam a defender o país não só a província de Cabinda, como noutras regiões de Angola. 
Para isso, temos em memória muitos desses valorosos combatentes quando ainda a província era II região Militar”, recordou então João Lourenço.

O governante apelou às Forças Armadas em Cabinda para estarem atentas na defesa das fronteiras com os países vizinhos. 
Sim, porque qualquer acção que eventualmente a FLEC leve a cabo será sempre, do ponto de vista do regime, atribuída a bandos terroristas que se alojam noutros países.

“Temos que estar sempre em prontidão e estado de alerta. 
É necessário a preparação combativa permanente, para que as nossas fronteiras sejam protegidas e ninguém possa vir molestar a paz que o país tem. 
Cabe a vós essa missão para a defesa da soberania e integridade territorial”, disse o ministro, quase parecendo que Angola não tem fronteiras com outros países para além das de Cabinda.

Folha 8 com Lusa

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