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sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Caso e-Toupeira envolve 261 crimes. Benfica arrisca suspensão, mas a "prova é difícil"

BENFICA
E-Toupeira
Nuno Fernandes e Rui Frias
                                                                      06 Setembro 2018   00:20

Sobre a SAD do Benfica recaem 30 crimes e Paulo Gonçalves está acusado de 79. Vieira nega acusações e diz que o bom nome e a honra do clube serão limpos.

São 261 os crimes que constam na acusação do Ministério Público sobre o caso e-toupeira, que implica gravemente o Benfica e o seu assessor jurídico Paulo Gonçalves, além de dois funcionários judiciais. 
Só sobre a SAD do Benfica recaem 30 desses crimes, um deles de corrupção ativa e outro de oferta ou recebimento indevido de vantagem - para além de 29 de falsidade informática.

Segundo o despacho a que a agência Lusa teve acesso, o Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa pede que sejam aplicadas à SAD encarnada as penas acessórias previstas no artigo 4º do Regime de Responsabilidade Penal por Comportamentos Antidesportivos (Lei nº 50/2007), das quais ressalta, sobretudo, a suspensão de participação em competição desportiva por um período de 6 meses a 3 anos.

Paulo Gonçalves, assessor jurídico do Benfica, foi acusado de 79 crimes: um de corrupção ativa, um de oferta ou recebimento indevido de vantagem, seis de violação de segredo de justiça e de 21 crimes de violação de segredo por funcionário, em coautoria com os arguidos Júlio Loureiro e José Silva (ambos funcionários judiciais). O dirigente encarnado está ainda acusado de 11 crimes de acesso indevido (em coautoria), de 11 crimes de violação do dever de sigilo (em coautoria) e 28 crimes de falsidade informática.

O MP acusou ainda o oficial de justiça José Silva - o único dos arguidos em prisão preventiva - de 76 crimes: um de corrupção passiva (em coautoria), um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo, 28 de falsidade informática e de um crime de peculato (apropriação indevida de dinheiro público).

O arguido Júlio Loureiro, escrivão e observador de árbitros, foi também acusado de 76 crimes: um de corrupção passiva, um de recebimento indevido de vantagem, um de favorecimento pessoal, seis de violação de segredo de justiça, 21 de violação de segredo por funcionário, nove de acesso indevido, nove de violação do dever de sigilo e de 28 crimes de falsidade informática.

Luís Filipe Vieira, que entretanto reagiu na noite desta quarta-feira à acusação deduzida pelo MP, não é individualmente arguido neste caso e-toupeira, mas o nome do presidente encarnado não passa incólume no processo. 
Segundo o Ministério Público, Luís Filipe Vieira teve conhecimento e autorizou a entrega de benefícios aos dois funcionários judiciais por parte de Paulo Gonçalves.
"As entregas aos arguidos José Silva e Júlio Loureiro eram do conhecimento do presidente da Sociedade Anónima Desportiva (SAD), que as autorizava ou delas tomava conhecimento por correio eletrónico, ou rubricando folha de autorização, sem nunca as impedir, pois tal era para beneficio da arguida [Benfica SAD], assim querendo e aceitando todas as condutas", refere a acusação do Ministério Público, segundo a agência Lusa.

Ou seja, para o MP, Paulo Gonçalves não agiu a seu bel-prazer, mas sim em benefício do Benfica e com o conhecimento e autorização do presidente da SAD, envolvendo aqui diretamente a Benfica SAD nos crimes praticados.

Por isso, ao Benfica é imputado um crime de corrupção ativa, um crime de oferta ou recebimento indevido de vantagem e 29 crimes de falsidade informática. 
No caso dos dois primeiros crimes, se forem provados, o clube poderá mesmo ser impedido de participar nos campeonatos.

O próximo passo será a abertura da instrução do processo, cabendo depois ao Benfica apresentar provas que contrariem as acusações do Ministério Público. 
Depois caberá a um juiz de Instrução Criminal decidir se o caso irá ou não a julgamento.

Corrupção desportiva? Uma prova difícil
Contactado pelo DN, o advogado Dantas Rodrigues, especialista em direito desportivo, fala numa "acusação muito dura", mas, frisa, "de difícil prova".

"Diretamente, sem haver uma prova muito específica, não me aprece que haja, do ponto de vista desportivo, sanção prevista no regulamento disciplinar da Liga para os factos imputados nesta acusação", diz. 
Para este jurista, "ou há prova muito clara de aproveitamento, por parte da SAD, de todos os dados que lhe foram ilicitamente facultados, tendo deles retirado benefícios na competição desportiva, ou então é difícil que se possa falar em corrupção desportiva".

Ou seja, "que por aceder a determinados processos, a Benfica SAD teve vantagem sobre rivais no normal decorrer da prova desportiva. 
Seja num acontecimento concreto num determinado jogo ou, por exemplo, em pressão efetuada sobre árbitros ou dirigentes de arbitragem ao longo do decurso da competição". De resto, frisa, "provar corrupção desportiva em Portugal é muito complicado"

Dantas Rodrigues está convencido de que o processo de inquérito aberto pelo CD da FPF acabará por ser "suspenso, ficando a aguardar o desfecho do processo penal, porque a prova dependerá sempre de haver uma condenação penal".

Para o especialista em direito desportivo, o cenário mais provável será o da aplicação de uma multa à SAD do Benfica. 
O que, sublinha, "já é muito grave". 
Como toda esta acusação, de resto, cujos "danos de imagem são enormes".

Bilhetes, convites, camisolas...
A acusação do processo e-toupeira diz que Paulo Gonçalves, enquanto assessor da administração da Benfica SAD, e no interesse desta, solicitou a funcionários judiciais que lhe transmitissem informações sobre inquéritos em curso, a troco de bilhetes, convites e merchandising.

"José Silva (oficial de justiça) e Júlio Loureiro (escrivão e observador de árbitros), com a promessa de tratamento privilegiado junto do Benfica, designadamente para assistência a jogos em condições favoráveis, aceitaram proceder como solicitado [por Paulo Gonçalves]", sustenta a acusação do Ministério Público.

Os processos "incidiam sobre investigações na área do futebol ou a pessoas relacionadas com este desporto, designadamente inquéritos em curso e em segredo de justiça, em que era visada, ou denunciante, a Sport Lisboa e Benfica -- Futebol SAD, ou os seus elementos". Mas não só. 
Os processos pesquisados pelos dois funcionários judiciais, através da plataforma informática Citius, abrangiam também casos "relativos a clubes adversários e seus administradores ou colaboradores".

Segundo a revista Sábado, os funcionários judiciais obtiveram informações sobre antigos árbitros alegadamente ligados ao FC Porto e alguns deles com responsabilidades em órgãos de arbitragem, além de terem espiado centenas de vezes os processos relativos aos casos dos vouchers (186 consultas) e dos e-mails (210), que também envolvem o Benfica.

Vieira reclama inocência e quer limpar honra
Luís Filipe Vieira reagiu às acusações no âmbito do caso e-toupeira com uma curta declaração de pouco mais de três minutos, feita na sala de imprensa do estádio da Luz, com os elementos do conselho de administração da SAD ao seu lado (Rui Costa, ausente no estrangeiro, foi o único que não esteve presente).

"Como era expectável, a acusação em nada vem alterar a certeza de total licitude dos comportamentos e atuação da Benfica SAD, neste ou outro processo. 
Não existe qualquer facto que permita imputar à SAD os crimes descritos nem conduta que relacione a SAD com qualquer dos crimes aí descritos. 
Crê-se que terá sido por isso que nenhum membro da SAD recebeu uma acusação", começou por referir o líder benfiquista, repudiando "o tempo, modo e forma como o clube se viu envolvido nesta acusação, sem qualquer fundamento sério que a justifique".
Vieira esclareceu que "a SAD continuará a defender a reputação do Benfica, que prestará colaboração com as forças judiciais", e que a administração "irá atuar neste processo com a mesma determinação com que recuperou o Benfica". 
A finalizar lembrou que "à presente data todas as decisões judiciais foram favoráveis ao clube: "O debate comunicacional que certamente iremos continuar a assistir, e onde não faltarão os tradicionais julgamentos em praça pública, em nada altera a confiança e a independência dos tribunais e a certeza que as decisões judiciais definitivas limparão o bom nome e a honra do Benfica."

Justiça desportiva atua
Na sequência da acusação do Ministério Público, que acusou a SAD do Benfica de 30 crimes e Paulo Gonçalves de 79 no âmbito do caso e-toupeira, o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), órgão presidido por José Manuel Meirim, anunciou a instauração de um processo de inquérito ao clube da Luz. 
Como mandam os regulamentos, o caso segue agora para a Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, que nos próximos meses vai chamar a depor vários intervenientes.

"Instaurado processo de inquérito, por decisão do presidente do CD, de 5 de setembro de 2018, com base em comunicado de autoridade judiciária e notícias na comunicação social. 
O processo foi enviado à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, mantendo-se em segredo até ao fim do inquérito", lia-se no comunicado do órgão disciplinar da FPF.

Secretário de Estado pede justiça e celeridade
João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, abordou a acusação feita ao Benfica pelo Ministério Público, no caso e-toupeira, pedindo "celeridade e que se faça justiça". 
"É essencial garantirmos a verdade desportiva e um clima de total confiança no panorama desportivo nacional, nomeadamente no que ao futebol diz respeito", disse numa entrevista à SIC Notícias.
"O futebol há muitos anos extravasou o domínio exclusivamente desportivo. 
Vemos frequentemente agentes, atores do nosso sistema desportivo e do futebol falarem na indústria. 
Há interesses económicos fortíssimos, não os estou catalogar como negativos. 
A disputa, a rivalidade a competitividade aumenta. 
O que também tem de aumentar é a responsabilidade de todos. 
O Estado não se pode alhear deste tema. 
Muitas vezes admito que se possa confundir alguma descrição com o não estar a atuar, a governar. 
Garanto que tenho estado a fazer a minha parte", revelou.

João Paulo Rebelo rejeitou ainda um cenário de perseguição ao Benfica: "Não. 
Da mesma forma como também não concebo que haja qualquer tipo de ação concertada para benefício de qualquer clube em particular. 
Nem para prejudicar, nem para ou beneficiar."

Questionado sobre o crescimento de investigações judiciais deste tipo, o governante disse esperar que "para o mundo de futebol como para qualquer outro mundo a impunidade tenha acabado". 
"Admito que hoje estão muito mais rigorosos relativamente ao escrutínio de uma forma geral das atividades que são mais públicas ou merecem o acompanhamento de um grande número de pessoas, o que não é uma má notícia", apontou.

João Paulo Rebelo disse ainda não vislumbrar no caso e-toupeira qualquer intervenção do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) "no quadro do que são as competências" deste organismo público.

Benfica investigado em mais quatro casos
O processo e-toupeira é o primeiro já com acusação formada e que envolve o assessor jurídico Paulo Gonçalves e tem a SAD do Benfica acusada de 30 crimes. 
Mas há mais caso envolvendo o clube da Luz a ser investigados pela justiça civil.

Vouchers
Foi o primeiro caso de alegada corrupção em que o Benfica se viu envolvido. 
Em outubro de 2015, Bruno de Carvalho, na altura presidente do Sporting, denunciou em direto numa entrevista a um programa da TVI24 ofertas feitas pelo clube da Luz aos árbitros (e também a delegados e observadores) que apitavam os jogos do clube em casa (Luz e Seixal), o famoso kit Eusébio, que consistia na oferta de uma camisola e quatro jantares no restaurante Museu da Cerveja. 
"Só em jantares, por ano, deve rondar 140 mil euros. 
Em prendas, deve rondar um quarto de milhão de euros", acusou na altura Bruno de Carvalho. 
O clube da Luz confirmou as ofertas, mas defendeu que as refeições eram uma simples cortesia e que tinham um plafond limitado de 35 euros.

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) enviou o caso para a Procuradoria-Geral da República e a Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga abriu um processo, ouvindo várias testemunhas (Bruno de Carvalho e Luís Filipe Vieira incluídos), decidindo arquivar o caso, que mais tarde teria o mesmo desfecho no Tribunal Arbitral de Desporto e no Conselho de Disciplina da FPF. 
O caso, contudo, prossegue na justiça civil - em 2016, a Unidade de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária fez buscas no Estádio da Luz e em janeiro, o DIAP decidiu juntar o caso dos vouchers e dos emails no mesmo processo.

Emails
A 11 de abril de 2017, Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, começou a revelar no Porto Canal o conteúdo de alegados emails do Benfica. 
Tudo começou com uma troca de correspondência entre o chefe de segurança do clube e o administrador Domingos Soares Oliveira, a respeito das claques. 
Mas a bronca rebentou a 6 de junho 2017, quando J. Marques denunciou um alegado esquema de corrupção do Benfica para favorecer árbitros, mostrando em direto alegada correspondência entre Paulo Gonçalves e Nuno Cabral (ex-árbitro e na altura delegado da Liga de Clubes).
O caso chegou ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e foi enviado para o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP). 
Nesse mesmo mês de junho de 2017, a PJ fez buscas ao estádio da Luz e ainda às casas de Luís Filipe Vieira, Paulo Gonçalves, Nuno Cabral, Pedro Guerra, Ferreira Nunes (ex-responsável pela classificação dos árbitros) e Adão Mendes (ex-árbitro). 
Paulo Gonçalves foi constituído arguido.

Semanalmente, o diretor de comunicação do FC Porto continuou a revelar alegados emails do Benfica, até que em fevereiro deste ano, o Tribunal da Relação do Porto impediu J. Marques de continuar a fazê-lo. 
O caso continua a ser investigado e foi anexado ao processo dos vouchers.

Operação LEX
Este processo tem como principal arguido o juiz desembargador Rui Rangel, que está a ser investigado por crimes de tráfico de influência. 
Luís Filipe Vieira é implicado no caso porque alegadamente teria pedido ao juiz que intercedesse num processo fiscal relacionado com uma das suas empresas. 
Como contrapartida, Rangel teria a promessa de um cargo na futura Universidade do Benfica. 
Tanto o juiz como presidente do Benfica foram constituídos arguidos no processo, assim como Fernando Tavares, vice-presidente do Benfica.

"Nunca ofereci qualquer cargo no clube a troco de qualquer situação da minha vida pessoal e profissional. 
Quando sair do Benfica vou mais pobre, não vou mais rico. 
Não vai aparecer ninguém que defenda mais o Benfica do que eu", afirmou na altura Vieira. Neste caso foram realizadas 33 buscas, das quais 20 domiciliárias, nomeadamente ao Sport Lisboa e Benfica, à casa do presidente Luís Filipe Vieira, às habitações dos dois juízes e a três escritórios de advogados.

Mala Ciao
No dia 25 de junho deste ano, a Polícia Judiciária e o Ministério Público do Porto fizeram 24 buscas a quatro clubes: V. Setúbal. Paços de Ferreira, Desportivo das Aves e... ao Benfica. As buscas relacionavam-se com alegada corrupção desportiva, com o Benfica suspeito de ter subornado atletas de outros clubes para vencerem o FC Porto.

Logo no próprio dia, Luís Filipe Vieira deslocou-se à sala de imprensa do clube para se defender. 
"Estas buscas resultam de mais uma denúncia anónima com origem do Porto e a ser investigada pelo DIAP do Porto. 
São factos falsos que investigam contratos do Benfica a jogadores. 
A mim não me incomoda nada que a PJ venha cá", disse o líder benfiquista. 
O caso continua a ser investigado.

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