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domingo, 2 de fevereiro de 2014

“Nos estaleiros criou-se uma promiscuidade entre a política e a gestão”, acusa almirante Melo Gomes


Melo Gomes com o então ministro da Defesa, Nuno Severiano Teixeira, na assinatura de um contrato para a construção de navios para a Marinha FERNANDO VELUDO/NFACTOS

NUNO RIBEIRO  27/01/2014 – 07:34 - PÚBLICO

Empordef devia estar sob tutela da Economia ou da Indústria que se regem pela eficiência enquanto a Defesa obedece à eficácia

O EX-CHEFE DO Estado-Maior da Arnada (CEMA) é crítico em relação ao que se passa com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENCV).

Em declarações ao PÚBLICO, o almirante Melo Gomes vê na interferência de interesses políticos na gestão a origem dos males que afectaram durante décadas os estaleiros. E que, finalmente, desembocaram no contrato de subconcessão à West Sea, empresa do grupo Martifer, assinado em 10 de Janeiro com a Emporderf.

“Criou-se uma promiscuidade entre a política, de todos os partidos do arco governamental, e a gestão. Da política a nível nacional e local, dada a importância dos estaleiros”, refere. A relevância advém, logicamente, da capacidade empregadora para a cidade e concelho de Viana de Castelo, e de estes serem um centro industrial importante no norte litoral. Assim se foi fraguando uma mistura que, progressivamente, oxidou a capacidade dos ENVC.

“O resultado desta promiscuidade é que nos estaleiros ninguém era responsável, as lideranças não tinham capacidade de se afirmar, já que interesses vários, partidários e locais, entravam em jogo”, acentua. Uma análise que desenha um quadro de um barco à deriva. Com singularidades que punham irremediavelmente em causa a operacionalidade da unidade produtiva.

O almirante Melo Gomes aborda um aspecto concreto. “Os ENVC não tinham engenharia mas, sim, excelentes artífices que precisavam de balizas para trabalhar”, exemplifica. O ex-CEMA sintetiza a situação numa espécie de fórmula de descalabro: “Os estaleiros não tinham engenharia, tinham pouca gestão e quase nenhum comando.” A consequência era óbvia: “uma produtividade inferior.”

Não se trata de uma mera opinião pessoal. “O último estudo apresentado ao Governo, em Janeiro de 2011, feito por uma empresa de auditoria, a At Kearny, revelava que faltava engenharia e gestão, havia excesso de pessoal e inexistência de liderança intermédia”.

Uma situação que não é recente. “O mal já vinha de trás, mas então não representava o que hoje representa, pois a sofisticação dos navios é agora, muito maior”, adverte o militar. “Os Estaleiros cumpriram mas não evoluíram”, diagnostica. Um mal que se arrastou. “Nenhuma das reestruturações se concretizou”, aponta.

Acredita, por isso, que há uma desadequação da actual tutela da Emporderf. “A arquitectura da Emporderf não faz sentido numa holding do Estado, não devia estar no ministério da Defesa mas na Economia ou na Indústria”, observa o almirante Melo Gomes. “A Defesa não tem a ver com a eficiência mas com a eficácia, a eficiência tem a ver com os resultados dos recursos investidos, na relação custo/benefício, a eficácia com o resultado”, comenta.

Melo Gomes recorda que as encomendas da Marinha aos estaleiros de Viana, canceladas devido aos cortes orçamentais decretados pelo actual ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco, eram de 300 milhões de euros. Em causa estavam seis patrulhões da classe Viana do Castelo, até oito lanchas de desembarque e um navio polivalente logístico com projecto alemão no pacote das contrapartidas à aquisição por Portugal dos dois submarinos da classe Trident.

“Os navios patrulha da Marinha podiam vir a ser feitos em série e serem vendidos para o estrangeiro”, revela. Deste modo, seria inaugurada uma nova linha de produtos que, logicamente, teriam custos mais contidos. “Foram apresentadas propostas a Angola, Marrocos e Nigéria”, recorda o ex-CEMA.

Sobre a opção de subconcessão finalmente decidida pelo executivo, o militar equaciona: “Havia duas opções, seguir o estudo e manter os estaleiros no sector público ou optar pelo liberalismo destrutivo deste Governo.” Neste ponto, não tem certezas. “O Governo fez esta subconcessão, não sei se é bom negócio para o Estado, não sei se a subconcessão garante a necessidade de manter a construção naval no país”, refere. E subsiste uma interrogação: “Quem paga os 271 milhões de euros do passivo dos estaleiros, mais os 31 milhões de euros das rescisões dos contractos de trabalho? Sobre quem vão recair estes custos?”


As dúvidas desaparecem quanto à importância que atribui à manutenção de estaleiros em Portugal. “Considero a construção naval como um activo estratégico do país, ainda mais se o desígnio é o regresso ao mar”, destaca. “O regresso ao mar não se faz sem navios e os estaleiros de Viana do Castelo têm a dimensão para a construção”, conclui. 

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