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sábado, 8 de fevereiro de 2014

A cautela, um programa cautelar

A saída à irlandesa, não isenta de riscos, é tentadora, pois é de alguma forma pôr uma pedra em cima do que se passou, é reassumirmos a nossa plena independência financeira.

Felizmente, ao contrário do que antevi­ram muitos profetas da desgraça, Por­tugal não vai precisar em definitivo de um novo resgate. Muito pelo contrário, com o fim do programa de ajustamento à vista, é cada vez mais certo que vamos voltar aos mercados da dívida, vamos de novo ser um país que se financia por si
próprio nos mercados financeiros.

Mais, até há poucos dias pensou-se que teríamos uma melhor das hipóteses e uma hipótese menos boa, o céu seria uma saída à irlandesa, a saída menos boa seria um plano cautelar, uma espé­cie de retomo amparado pelos nossos parceiros internacionais. Pois nesta altu­ra parece que a decisão entre uma e outra hipótese pode muito bem ser nossa, ou seja, até neste ponto o nosso país terá ganho credibilidade suficiente para deci­dir o seu futuro, o que em si, depois de todos os sacrifícios, é uma notícia gratificante.

A discussão está pois, nesta altura, entre qual das vias melhor defende o país, se um regresso puro e duro aos mercados da dívida, com emissões como fazíamos antes do resgate, se um acordo negocia­do, e ambas as possibilidades apresen­tam vantagens e inconvenientes.

O nosso PR, por exemplo, defende que com o programa cautelar temos uma espécie de rede de segurança; o presi­dente do CES (Silva Peneda) apela tam­bém a um programa cautelar acordado pelos três partidos do arco da governa­ção, para não ter de ser definido burocraticamente às cegas em Bruxelas; o governador do BdP (Carlos Costa) tam­bém joga pelo programa cautelar, segun­do ele o que melhor nos defende em caso de turbulência nos mercados financei­ros.

A saída à irlandesa, não isenta de ris­cos, é também tentadora, pois é de cer­ta forma pôr uma pedra em cima do que se passou, é reassumirmos a nossa ple­na independência financeira.

Infelizmente, a política vai aqui entrar, para definir as suas regras, e a decisão, pertencendo aos nossos decisores, cor­re o risco de vir a ser a que melhor defen­de eleitoralmente quem tiver poder para a tomar.

De facto, um programa cautelar terá sempre por trás o seguimento das polí­ticas restritivas actualmente em curso,  e portanto impopulares, não vão abrandar, o Estado continuará a ema­grecer, os impostos não irão baixar e os salários e as reformas não serão certa­mente aumentados.

Pelo contrário, uma saída livre para os mercados deixa as mãos livres aos deci­sores políticos, o propalado fim da crise poderá ser festejado com pompa e cir­cunstância pelo governo, que atrás nas intenções de voto poderá socorrer-se de políticas expansionistas para convencer indecisos, políticas que serão pagas com juros mais à frente por todos nós.

E é aqui que deve entrar a oposição, nomeadamente o PS, que deve falar claro em vez de continuar a fingir-se de morto à espera que o poder lhe caia nos braços. O PS tem jogado simples­mente no erro do adversário, neste caso na possibilidade de o país não conse­guir concluir o programa de ajusta­mento, ou então, na pior das hipóteses, de somente com ajuda externa o con­seguir, ou seja, por via de um progra­ma cautelar.

Fazendo-o, empurra literalmente os partidos do governo para uma saída airo­sa, saída à irlandesa, que para mais ain­da lhes deixa as mãos livres para poder tomar medidas eleitoralistas, situação que em nada nos virá ajudar.

Não está aqui em causa que medidas expansionistas, mais cedo ou mais tar­de, tenham de vir a ser tomadas. A pro­cura interna vai um dia ter de recupe­rar, mas primeiro é preciso pôr em ordem as contas públicas, é preciso baixar o défice para valores sustentáveis, situa­ção ainda longe de ser atingida.

O PS, não governando, tem mesmo assim uma influência desmedida, pois o tipo de oposição que for daqui até às elei­ções em muito vai influenciar o nosso destino colectivo. Em vez de subir a fas­quia, o PS deve antes pôr-se de lado da solução que melhor defende o país, o que significa pôr-se de acordo com o gover­no quanto ao pós-troika, condicioná-lo no sentido de não deitar tudo a perder na época que antecede as eleições, em vez de se limitar a aproveitar a contes­tação da rua.

Se for capaz de o fazer, empurrando o governo para a escolha de uma solução mais segura em vez de aventureirismos, o PS provará que é uma alternativa cre­dível. Pelo contrário, se a cegueira dos votos ultrapassar a capacidade de dis­cernimento, o Dr. Seguro até pode ser eleito PM, mas será sempre uma eleição muito parecida com a eleição do seu cor­religionário Hollande, sem base progra­mática para os problemas que hoje vive­mos, accionando uma bomba relógio que depois vai rebentar, nas mãos dele, e, pior, nas nossas.
Eng. agrónomo, gestor de empresas

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