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segunda-feira, 2 de outubro de 2017

LIMPEZA DE ARQUIVO, CORRUPÇÃO E AS ELEIÇÕES

Paulo Zua
23 de Setembro de 2017 
em defesa da democracia, contra a corrupção


Um marciano que aterrasse em Luanda e lesse os artigos que vêm sendo publicados pelos mais distintos comentaristas da oposição acreditaria que as eleições tinham ocorrido de forma livre e justa, e que tudo estava no melhor dos mundos. 
A discussão é tépida: centra-se nos próximos passos após a tomada de posse do novo presidente e dos deputados na Assembleia Nacional, e nas eleições de 2022, imagine-se.

Parece que as decisões do Tribunal Constitucional negando as pretensões dos partidos da oposição foram definitivas para calar a oposição, quando bastava ler as declarações de voto da juíza-conselheira Imaculada de Melo para se constatar e aferir a atipicidade e ajuricidade dessas decisões.

Escreveu, e bem, a juíza-conselheira: “Há subjacente ao direito eleitoral uma dimensão de probidade na qual a fé e a confiança devem assumir especial realce, dado ser fundamental, para a crença nas instituições democráticas, que as práticas [e] os actos eleitorais sejam realizados dentro da mais absoluta lisura e autenticidade, [de modo a] conferir legitimidade para o exercício do poder político.”

Argumentarão os timoratos que foram usados os meios constitucionais ao dispor, e que nada mais há a fazer. 
Ora, a questão é que não foram usados os meios constitucionais na sua totalidade. 
Não foi usado o direito de reunião e manifestação previsto no artigo 47.º da Constituição. Por exemplo, os partidos da oposição poderiam ter fomentado e organizado reuniões locais com os sectores da sociedade civil, igreja, pequenos comerciantes, sindicatos, estudantes, para auscultar as suas impressões e perceber o incómodo diante do que se passou nas eleições, além de naturalmente promoverem manifestações. 
Ou poderiam ter criado uma associação pela verdade eleitoral (artigo 48.º), para escrever um Livro Branco sobre o Processo Eleitoral de 2017, ou ainda promover uma grande petição solicitando a recontagem dos votos (artigo 73.º). 
Baixar os braços não seria a única opção possível. Dentro da ordem constitucional, teria sido efectivamente possível continuar a luta pela correcção verdadeira dos resultados eleitorais.

Mas não foi essa a opção dos partidos da oposição.

Entretanto, o governo cessante de José Eduardo dos Santos tem a noção clara de que já não conta com o apoio do povo, e por isso apressa-se a criar um “círculo de aço” que proteja os seus e os isente de prestar contas à justiça.

O primeiro elemento do “círculo de aço” foi a malfadada Lei da Amnistia de 2016, que “limpou” todos os eventuais crimes de corrupção cometidos pelos membros do governo e seus associados. 
Esta lei, como se sabe, tem valor reforçado, pois conta com a protecção do artigo 62.º da Constituição, que considera válidos e irreversíveis os efeitos jurídicos dos actos de amnistia praticados ao abrigo de lei competente.

Agora, o Inspector-Geral do Estado, Joaquim Mande, por despacho de 7 de Setembro de 2017, arquiva todos os processos da actividade inspectiva desenvolvidos desde 2013. 
Isto quer dizer que todas as ilegalidades e irregularidades administrativas cometidas acabaram de ser “amnistiadas” por despacho. 
Mais um elemento para o “círculo de aço” de protecção aos desmandos do anterior regime.

O que se passa é que foi construído um edifício jurídico com a finalidade de tornar impossível qualquer procedimento judicial ou administrativo visando a corrupção e os abusos do passado. 
Roubaram do BESA ou do BPC, estão amnistiados. 
Não respeitaram os procedimentos para os concursos públicos das barragens, os processos são arquivados. 
Se vivêssemos no tempo dos papas debochados da Renascença, diríamos que JES e os seus acólitos tinham comprado Indulgências Plenárias, isto é, a absolvição completa e total dos seus pecados.

Não vale a pena perguntar pelo futuro de Angola, ou pensar nas eleições de 2022. 
O que há fazer é estar atento ao presente e não deixar o passado escapulir-se por meio de habilidades jurídicas inaceitáveis.

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