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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

PROTESTOS. O Outono que abalou a Hungria

DESCONTENTAMENTO: Uma das últimas manifestações, a 15 de dezembro, em frente do Parlamento Húngaro
Texto: CÁTIA BRUNO
29 DE DEZEMBRO DE 2014
A contestação inédita nas ruas de Budapeste deixou o primeiro-ministro Viktor Órban numa posição onde nunca esteve. O Expresso falou com uma das organizadoras dos protestos que têm ocorrido para perceber o ambiente que se vive na Hungria de hoje.

Emma Krasznahorkai estava muito nervosa quando subiu ao palco naquela terça-feira, dia 16 de dezembro. A ativista do grupo “Não nos calaremos!” não gosta de falar em público, mas, como é uma das poucas mulheres do movimento, sentiu a obrigação de se dirigir à multidão ali reunida na praça Kossuth, em frente ao Parlamento, dizendo-lhes que deviam exigir um novo Governo.
“Depois senti-me muito feliz.
E senti-me orgulhosa, porque as pessoas também estavam orgulhosas de mim”, recorda Emma ao Expresso. “Mas não quero voltar a fazer um discurso!”
O nervosismo de Emma não surpreende.
Afinal, a estudante universitária húngara tem apenas 20 anos.
Apesar disso, Emma desenvolveu desde cedo uma consciência política.
Aos 17 anos já fazia parte da Amnistia Internacional húngara e aos 18 foi detida pela primeira vez, na sequência de um protesto de estudantes que organizou devido a alterações nas universidades.
“A 11 de março de 2012 sentámo-nos em frente ao Parlamento.
Foi uma ação de desobediência civil e éramos na maioria estudantes entre os 14 e os 20 anos”, conta-nos. A estudante recorda-se de estar sentada na cela, depois do protesto, “a pensar na vida.”
Desde aí, não parou de se envolver em várias ações políticas.
Não é por isso de admirar que esteja ligada à onda de protestos que tem varrido a Hungria desde outubro. Tudo começou no dia 28 desse mês, quando mais de 100 mil pessoas se juntaram em Budapeste para exigir o cancelamento de uma taxa sobre o uso da internet que o Governo de Viktor Órban queria introduzir.
A reação em massa duma população geralmente pouco ativa politicamente foi uma surpresa para o regime, que acabou por recuar em toda a linha na medida.



Os húngaros parecem ter-lhe tomado o gosto.
Desde então, várias manifestações têm-se sucedido, embora nunca com a mesma dimensão da primeira, atraindo entre 2 mil a 10 mil pessoas por noite.
Protestos contra a corrupção, manifestações pela liberdade de expressão, marchas de funcionário públicos contra os cortes do Orçamento de Estado são alguns dos exemplos de que juntaram pessoas de todas as idades na rua, os mais jovens transportando bandeiras da União Europeia.
“Acho que as manifestações contra o imposto sobre a internet deram um sentido político e de democracia às pessoas”, considera Emma.
“Acho que é uma espécie de acordar, uma nova revolução”.

CONSEQUÊNCIAS SÓ A LONGO PRAZO
“É muito atípico na Hungria as pessoas saírem à rua como aconteceu depois de proposta da taxa da internet”, diz ao Expresso a analista política de Budapeste Júlia Lakatos.
“Apesar de não serem representativas da sociedade como um todo, mostram que há um segmento da sociedade que nem o Governo nem a oposição de esquerda liberal conseguem mobilizar e que está a começar a levantar a sua voz contra o Governo”.
Os números não enganam: uma sondagem de 11 de dezembro revela que a popularidade do Fidesz, o partido actualmente no poder, desceu de 38% para 26% desde que as manifestações começaram.
No entanto, Emma admite que, apesar da multidão presente nas manifestações ser heterogénea e difícil de classificar, é certo que não abrange todos e é geralmente composta por membros da classe média: “As classes mais pobres estão a morrer à fome, não querem saber da internet (ou porque não têm eletricidade ou porque são analfabetas...), nem das questões de direitos humanos.
Por isso [os manifestantes] vêm geralmente da classe média, porque se sentem a escorregar e a ficar cada vez mais pobres.
O ambiente é de raiva.
As pessoas estão zangadas.”
Também os jovens não têm a força que poderiam ter.
Muitos estão fora do país, emigrados à procura de condições de vida melhores.
Outros são atraídos pelas ideologias mais radicais como a do Jobbik, o partido nacionalista de extrema-direita em franco crescimento, que assume uma retórica contra a imigração, as minorias e a Europa.
A estudante destaca ainda que alguns estão afastados da política, razão pela qual o “Não nos calaremos!” procura cativar jovens como ela e envolvê-los na recente contestação.
REGIME: Viktor Órban, o primeiro-ministro hungaro, já disse defender o estilo das "democracias iliberais"

Essa promete continuar - há inclusive uma nova manifestação marcada para dia 2 de Janeiro.
Mas, apesar de tudo, é pouco provável que a mudança nas ruas se traduza no Parlamento.
Não só o Fidesz tem legitimidade para terminar o mandato, depois de ter ganho a reeleição com 45% dos votos e conquistado dois terços da Assembleia nas eleições de abril (tendo também vencido as últimas autárquicas e europeias), como a oposição não consegue unir-se e mobilizar os húngaros.
O único partido que tem crescido nos últimos anos é o Jobbik, a quem muitas vezes o Fidesz se cola, que atrai o voto de muitos descontentes, mas assusta outros tantos.
Os restantes partidos não têm conseguido criar uma alternativa viável ao Governo de Órban, que parece ir continuar de pedra e cal no poder.
Emma e os restantes ativistas que a acompanham sabem-no, mas nem por isso baixam os braços: “Queremos criar um movimento e mais tarde, talvez daqui a alguns anos, alguns partidos diferentes surjam daqui”, conta a jovem estudante.
“Precisamos de uma nova oposição!
Essa é a questão mais importante.”
Lakatos reforça a ideia de que o movimento trará frutos no futuro: “Embora isto provavelmente não traga uma mudança de Governo, a seu tempo o grupo pode crescer para algo mais do que um movimento sem rosto e formar uma alternativa aos partidos da oposição que existem atualmente.”
A pergunta que fica é: quantos anos estarão os húngaros dispostos a esperar?

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