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sábado, 12 de maio de 2018

JLO contra a corrupção: cadeia para a arraia-miúda

CORRUPÇÃO    Justiça
Rafael Marques de Morais
12 de Maio de 2018 

Desde que assumiu o poder, em Setembro de 2017, o presidente João Lourenço tem sido coerente e consequente nos seus discursos contra a corrupção. 
Todavia, a prática tem demonstrado que o poder judicial é exercido com dois pesos e duas medidas, de acordo com critérios políticos, sobre os casos de corrupção que tem em mãos.

A corrupção está absolutamente institucionalizada em Angola e é fruto das práticas continuadas de pilhagem desenfreada do país a que os próprios dirigentes do MPLA se entregaram de corpo e alma, e com espírito de missão. 
Muitos angolanos se têm perguntado como pode João Lourenço combater a corrupção sem efectivamente mandar para a cadeia grande parte dos seus próprios camaradas.

Ao longo destes oito meses em que Lourenço desempenhou as funções da presidência, vários são os processos legais por corrupção intentados contra servidores públicos. 
Há uma primeira nota de realce sobre esses casos: os gestores públicos com responsabilidades baixas ou intermédias que são suspeitos de descaminhos ou do recebimento de comissões em kwanzas têm vindo a ser imediatamente punidos com prisão preventiva. 
Mexer em kwanzas dá logo cadeia. 
Pelo contrário, quando se trata de muitos milhões de dólares, a liberdade é garantida.

Há dois casos paradigmáticos que aqui reportamos. 
Primeiro, o de Nickolas Gelber Neto, ex-administrador da Administração Geral Tributária, suspeito de ter recebido uma comissão de 24 milhões de kwanzas, e que se encontra detido há sete meses, em prisão preventiva. 
A juíza obrigou-o a devolver o dinheiro de modo a ser possível conceder-lhe a liberdade condicional, Neto cumpriu o pedido, mas a verdade é que continua na cadeia.

O segundo caso é o de Edson Vaz, ex-director nacional do Tesouro (Ministério das Finanças), e de Stianeth Couceiro (do Governo Provincial de Luanda), ambos suspeitos de associação criminosa, entre outros crimes, no desvio de sete mil milhões de kwanzas dos cofres do Governo Provincial de Luanda. 
Os conhecedores dos meandros da operação sabem que a mesma envolve o ministro das Finanças, Archer Mangueira, e o então governador de Luanda e actual vice-presidente da Assembleia Nacional, general Higino Carneiro, que terão emitido as “ordens superiores”. Resultado: Vaz e Couceiro, os dois suspeitos intermédios, foram detidos em Novembro passado e libertados seis meses depois.

Esses dois casos são, por si só, indiciadores de duas conclusões importantes. 
Quanto mais se rouba ou se desvia do Estado, maior é a hipótese de o sistema judicial “cooperar favoravelmente” com os suspeitos e garantir a sua liberdade. 
Tudo o resto parece não passar de encenação política.

Se suspendermos por momentos estes dois casos e passarmos aos que envolvem dólares, três casos servem de referência. 
Debruçar-nos-emos sobre eles no próximo capítulo desta história. 
Para já, basta um resumo.

Primeiro, há o caso do então assessor do presidente João Lourenço para os assuntos económicos, Carlos Panzo. 
Foi demitido em Outubro passado, uma semana depois da sua nomeação para o cargo. Recebeu comissões chorudas da Odebrecht na sua conta na Suíça. 
Dirigentes acima de si também receberam, conforme consta. 
Mas são todos uns canários livres.

Segundo, José Filomeno dos Santos “Zenú”, que deu um golpe de 500 milhões de dólares ao Banco Nacional de Angola, com autorização do então pai-presidente, José Eduardo dos Santos. 
Fê-lo em associação criminosa com o seu amigo e sócio Jorge Gaudens Pontes Sebastião. Os dois foram constituídos arguidos, assim como o então governador do BNA, Valter Filipe. Prisão preventiva? 
Nem pensar. 
O golpe foi em dólares, muitos dólares.

Terceiro, o caso do cheque falso de 50 mil milhões de dólares trazido por um tailandês, Raveeroj Rithchotean, que deu a volta à cabeça de altas figuras militares e policiais, assim como do porta-voz do MPLA, Norberto Garcia. 
Entre os detidos, para além da delegação de Raveeroj, estão a empresária Celeste Brito, que havia sido afastada pelos “tubarões”, e o tradutor/intérprete Christian Albano da Silva. Os arguidos relevantes, quer em termos da sua participação na fraude, quer em termos da sua importância política, como Norberto Garcia, mantêm-se em funções, como se nada tivesse acontecido. 
Voltaremos a esta questão.

Quarto, o vigarista do Jean-Claude Bastos de Morais, o amigo e “cérebro” de José Filomeno dos Santos “Zenú”, geriu os cinco mil milhões do Fundo Soberano para “benefício pessoal” conforme investigação da Unidade de Informação Financeira das Maurícias. 
As suas contas bancárias neste país, por onde transitava o dinheiro do fundo, foram congeladas.

Regressemos então aos dois casos dos kwanzas.


1. Administração Geral Tributária
Caso: Sonegação de impostos
Nome: Nickolas Gelber da Silva Neto
Cargo: Administrador (à data dos factos)
Suspeita: recebimento de comissão de 24 milhões de kwanzas (48 mil dólares)
Situação: em prisão preventiva há oito meses

A 10 de Outubro de 2017, Nickolas Neto, administrador da Administração Geral Tributária (AGT), foi detido por suspeita de recebimento de uma comissão no valor de 24 milhões de kwanzas.

Nickolas Neto é suspeito de ter autorizado a sonegação de impostos por parte da empresa de importação de medicamentos TECNIMED, que devia ao Estado angolano 581 milhões de kwanzas.

Através de um esquema de corrupção, os técnicos da AGT reduziram a dívida da TECNIMED de 581 milhões para apenas nove milhões de kwanzas, e esta saldou então a sua dívida aos cofres do Estado. 
Dos 572 milhões de kwanzas sonegados, esta empresa pagou 170 milhões aos referidos técnicos, de acordo com a acusação do Ministério Público. 
Por via deste esquema de corrupção, a TECNIMED locupletou-se de 402 milhões de kwanzas do Estado, tendo sido a maior beneficiária do golpe. 
Francisco Holo, técnico responsável pela verificação e autuação dos impostos devidos pela TECNIMED, e Miguel Panzo, seu superior hierárquico e à época director nacional para os Serviços Fiscais, encontram-se em fuga desde então.

Os principais sócios da TECNIMED são Amadeu Mendes Fernandes e Rui Alberto Rodrigues Coelho. 
Fazem ainda parte da estrutura accionista António Bastos Mendes, Ilda Maria da Costa Simões e Avelino Tavares Souto Alvarenga.

Fontes do Maka Angola indicam que o administrador da TECNIMED António Bastos Mendes foi constituído arguido, mas o seu caso ficou por aí.

De acordo com o Código Geral Tributário e a Lei dos Crimes Subjacentes ao Branqueamento de Capitais, as pessoas colectivas podem ser constituídas arguidas desde que:
(i) o acto tenha sido praticado por um membro dos órgãos sociais, por funcionários ou colaboradores, 
(ii) em nome da pessoa colectiva e 
(iii) em benefício da pessoa colectiva.

Este caso é uma clara demonstração de que a luta contra a corrupção encetada pela PGR e a informação que esta divulga são uma questão de escolha arbitrária sobre quem deve ser submetido ao rigor da lei e quem deve ser protegido pelo poder judicial.

Depois de várias alegações e petições submetidas pelos advogados, o Tribunal Provincial de Luanda condicionou a restituição do arguido à liberdade provisória mediante pagamento dos 24 milhões que alegadamente terá recebido. 
Feitos os pagamentos e emitidas as guias, o mesmo tribunal fechou-se em copas. 
O pedido de habeas corpus foi retido pela juíza ao longo de dois meses, tendo originado uma reclamação ao Tribunal Supremo.

2. Ministério das Finanças e Governo Provincial de Luanda
Caso: Desvio de sete mil milhões de kwanzas
Nome: Edson Augusto dos Santos Vaz
Cargo: Director Nacional do Tesouro (à data dos factos)
Nome: Stianeth Couceiro
Cargo: Funcionária sénior do Governo Provincial de Luanda (à data dos factos)
Situação: Liberdade condicional depois de seis meses em prisão preventiva
Data: 17 de Novembro de 2017

Os encontros nocturnos entre Archer Mangueira, ministro das Finanças, o general Higino Carneiro, governador de Luanda, e Edson Vaz ocorriam com alguma frequência no Ministério das Finanças, segundo fontes ligadas ao caso.

De acordo com as mesmas fontes, esses encontros causavam fricções com o então secretário do Tesouro, Mário do Nascimento, que era mantido à margem do esquema.

Funcionários do Ministério das Finanças indicam que as ordens de saque dos fundos desviados do GPL e sob a alçada do Tesouro (Ministério das Finanças) eram validadas por Higino Carneiro, sendo os pagamentos autorizados por Archer Mangueira.

Estes casos constituem um exemplo de como vai o combate à corrupção na era de João Lourenço. 
A mão da justiça continua a ser apenas para os mais fracos. 
Para os maiores corruptos, a justiça pia baixinho.

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