ANGOLA
25.05.2012
A DW África falou com advogado e jornalista angolano William Tonet que, em 1977, trabalhava no gabinete de Nito Alves. Hoje é uma das vozes que denunciam as atrocidades cometidas por ordem do presidente Agostinho Neto.
DW África: O que, representa, para si, o 27 de maio?
William Tonet (WT): Nós conhecemos em África, depois de uma independência, uma das maiores chacinas seletivas do ponto de vista ideológico.
E essa chacina foi cometida para acabar com a liberdade de pensamento e de expressão.
DW África: Os números das vítimas são divergentes...
WT: Não me repugna falar em mais de 60 mil ou um número próximo dos 80 mil de assassinatos, porque aqueles que dirigiram a chacina nunca estiveram preocupados com a quantidade.
Bastava que alguém dissesse que aquele indivíduo talvez... para ser imediatamente preso.
Se perguntar a eles: quantas pessoas prenderam, eles não sabem responder, mas sabemos que eles ficavam contentes quando, num dia, matavam mais cem ou mais duzentos.
E muitos dos assassinos estão vivos.
Eles têm que assumir isso.
Veja quantos denominados responsáveis do 27 de maio sobraram?
DW África: Não acha que os crimes prescreveram, 35 anos depois?
WT: São crimes contra a humanidade, não prescreveram.
E não prescreveram porque as pessoas responsáveis, que ainda estão vivas, não fazem nenhum esforço por se penitenciarem.
Eles só vêem o poder, não vêem as consequências.
Esse crime não prescreve.
Os crimes da segunda guerra mundial também não prescreveram e não irão prescrever.
Há pessoas à beira dos cem anos a serem responsabilizadas civil e criminalmente na Europa, e aqui em Angola também vai haver isso.
Infelizmente nós não temos uma cultura de reconciliação.
O MPLA tem medo de liderar um processo, como fez a África do Sul.
Em África, Angola não está a dar um bom exemplo de uma política de verdadeira reconciliação nacional, ao contrário da África do Sul.
DW África: Porque é que o tema 27 de maio continua a ser um tabú em Angola?
WT: Porque as pessoas não pensam o país, e quando as pessoas - em vez de pensarem o país - pensam o poder, a verdade torna-se tabú.
Eu costumo dizer: todos os movimentos de libertação cometeram erros graves, violações graves dos direitos humanos.
Mas aqui em Angola só se fala da FNLA e da UNITA, como se os outros fossem um poço de pureza, mas não foram.
É preciso que nós tenhamos a coragem de refazer a história e penitenciarmo-nos todos e dizer que foi num dado momento, que as circunstâncias foram estas, mas vamos reencontrar-nos em vez de continuarmos a cavalgar, uns no poder e outros com um sentimento de revolta.
Autor: Manuel Vieira (Luanda)
Edição: António Cascais / António Rocha
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