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quarta-feira, 23 de março de 2016

Da ditadura à democracia - o livro que levou os 15 angolanos à cadeia

29 junho 2015


Lisboa - O Club-K pública em anexo, a copia no formato PDF do livro “Da Ditadura a Democracia” que levou a Procuradoria Geral da República, de Angola mandar prender jovens em Luanda, que foram apanhados a fazer a leitura do mesmo, sob acusação de planearem “golpe de Estado” contra o Presidente José Eduardo dos Santos.


Fonte: Club-k.net
Da Ditadura à Democracia foi publicado originalmente em Bangkok em 1993, pelo Comité para a Restauração da Democracia na Birmânia, em associação com Khit Pyaing (O Jornal Nova Era). 
Desde então foi traduzido em pelo menos trinta e uma outras línguas, e foi publicado na Sérvia, Indonésia e Tailândia, entre outros países. 
Esta é a quarta edição dos Estados Unidos.

Há mais de 3 anos a Comissão Política do Bloco Democrático discutiu em várias sessões científicas este mesmo livro, porém não se verificou no pais nenhuma rebelião, nem golpe de estado contra o regime. 
Contudo não se sabe, se a PGR, do general João Maria de Sousa vai chamar ou mandar vasculhar a residência dos dirigentes do BD por terem também lido o mesmo livro.

Da DITADURA à DEMOCRACIA
Uma  Estrutura Conceitual para a Libertação
Gene Sharp
Tradução José A.S.  Filardo São  Paulo – Brasil
The  Albert Einstein Institution 
Todo  o material constante nesta publicação é de  domínio público e pode ser reproduzido sem a permissão de  Gene Sharp.

Citação da fonte e notificação à Instituição Albert Einstein para a reprodução, tradução e reimpressão desta publicação são apreciados.
Primeira Edição, Maio  de  2002
Segunda Edição, Junho de  2003
Terceira Edição Fevereiro de  2008
Quarta Edição, Maio  de  2010

Da Ditadura à Democracia foi publicado originalmente em  Bangkok em  1993, pelo  Comité para a restauração da democracia na Birmânia, em  associação com  Khit  Pyaing (O Jornal Nova  Era). Desde então foi traduzido em  pelo menos trinta e uma outras línguas, e foi publicado na Sérvia, Indonésia e Tailândia, entre outros países. 
Esta é a quarta edição dos Estados Unidos.

The  Albert Einstein Institution Caixa Postal 455 East Boston, MA 02128, EUA Tel.:  EUA +1 617-247-4882 Fax: USA +1 617-247-4035 E-mail: einstein@igc.org Website: www.aeinstein.org
ISBN  1-880813-09-2 


PREFÁCIO

Uma das minhas grandes preocupações por muitos anos, foi como as pessoas podem evitar e destruir ditaduras. Isso foi alimentado, em  parte devido à crença que os seres humanos não devem ser dominados e destruídos por tais regimes. Essa crença foi reforçada por leituras sobre a importância da liberdade humana, sobre a natureza das ditaduras (desde Aristóteles até analistas do totalitarismo), e as histórias de  ditaduras (especialmente os sistemas nazista e estalinista).

Ao longo dos anos, tive a oportunidade de  conhecer pessoas que viveram e sofreram sob o regime nazista, incluindo alguns que sobreviveram aos campos de  concentração. Na Noruega, conheci pessoas que haviam resistido ao  domínio fascista e sobrevivido, e ouvi sobre aqueles que pereceram. Conversei com judeus que haviam escapado das garras nazistas e com pessoas que tinham ajudado a salva-los.

Conhecimento do terror do regime comunista em  vários países foi aprendido mais com livros do que contatos pessoais. O terror desses sistemas pareceu-me ser especialmente doloroso porque essas ditaduras foram impostas em  nome da libertação da opressão e da exploração.

Nas  décadas mais recentes, através de  visitas de  pessoas provenientes de  países governados ditatorialmente, como o Panamá, Polônia, Chile, Tibete e Birmânia, as realidades das ditaduras atuais tornaram-se mais reais. De tibetanos que tinham lutado contra a agressão comunista chinesa; russos que haviam derrotado o golpe da linha dura em  agosto de  1991 e tailandeses, que tinham bloqueado de  maneira não violenta um retorno à ditadura militar, eu ganhei perspectivas muitas vezes perturbadoras sobre a natureza insidiosa das ditaduras.

O sentimento de  emoção e indignação contra as brutalidades, junto com a admiração pelo heroísmo calmo de  homens e mulheres incrivelmente corajosos, foi, por vezes, reforçado por visitas a locais onde os perigos ainda são grandes, e ainda assim, o desafio de  pessoas corajosas continuou. Estes incluíram o Panamá sob Noriega; Vilnius na Lituânia, sob contínua repressão soviética; a Praça Tiananmen, em  Pequim, tanto durante a manifestação festiva de  liberdade quanto enquanto os primeiros veículos blindados entraram naquela noite fatídica, e os quartéis na selva da oposição democrática em  Manerplaw em  "Mianmar libertada".

Às vezes, eu visitei os locais dos caídos, como a torre de  televisão e o cemitério em
Vilnius; o parque público em  Riga, onde as pessoas tinham sido mortas a tiros; no  centro de  Ferrara, no  norte da Itália, onde os  fascistas alinharam e fuzilaram resistentes; e um simples cemitério em  Manerplaw cheio de  corpos de  homens que haviam morrido jovens demais. É uma triste conclusão que todas as ditaduras deixam tal morte e destruição em seu rastro.

Dessas preocupações e experiências cresceu uma esperança determinada de  que a prevenção da tirania pode ser possível, que lutas bem sucedidas contra as ditaduras poderiam ser travadas sem massacres mútuos em  massa, que as ditaduras poderiam ser destruídas e novas ditaduras impedidas de  ressurgir das cinzas.

Tentei pensar cuidadosamente sobre as formas mais eficazes em  que as ditaduras podem ser desintegradas com sucesso com o menor custo possível em  sofrimento e vidas. Nisso, ao  longo de  muitos anos, eu baseei meus estudos de  ditaduras, movimentos de resistência, revoluções, pensamento político, sistemas governamentais e, sobretudo, luta não violenta realista. 

Esta publicação é o resultado. Estou certo de  que está longe de  ser perfeita. Mas, talvez, ele ofereça algumas orientações para auxiliar o pensamento e planeamento para produzir movimentos de  libertação que sejam mais poderosos e eficazes do que poderia ser o caso.

Da necessidade e da escolha deliberada, o foco deste ensaio está no problema genérico de como destruir uma ditadura e impedir o surgimento de  uma nova. Não  sou competente para produzir uma análise detalhada e prescrição para um determinado país. Mas, é minha esperança que esta análise genérica pode ser útil para pessoas, infelizmente, em demasiados países que agora enfrentam a realidade de  regimes ditatoriais. Elas precisarão examinar a validade dessa análise para suas situações, e em  que medida as
suas recomendações mais importantes são, ou pode ser tornadas aplicáveis às suas lutas
pela liberdade.

Em  nenhum lugar desta análise, eu suponho que desafiar ditadores será uma tarefa fácil e gratuita. Todas as formas de  luta têm complicações e custos. Combater ditadores, é claro, produzirá vítimas. É minha esperança, no entanto, que essa análise estimulará os líderes da resistência a considerar estratégias que possam aumentar a sua potência efetiva, ao  mesmo tempo em  que reduz o nível relativo de  baixas.

Também não deve  esta análise ser interpretada no  sentido de  que, quando a ditadura em particular terminou, todos os outros problemas também desaparecerão.

A queda de  um regime não traz consigo uma utopia. Pelo  contrário, ela abre o caminho para trabalho duro e longos esforços para construir relacionamentos sociais, econômicos e políticos mais justos, e para a erradicação de  outras formas de  injustiças e opressão. Minha esperança é que esta breve análise de  como uma ditadura pode ser desintegrada possa ser útil onde quer que as pessoas vivam sob dominação e o desejo de  ser livre.
Gene Sharp
06  de  outubro de  1993
Albert Einstein Institution
Boston, Massachusetts




I -  ENFRENTANDO DITADURAS  REALISTICAMENTE

Nos últimos anos, várias ditaduras - tanto de  origem interna quanto externa - entraram em  colapso ou caíram quando confrontadas por pessoas desafiadoras e mobilizadas. Muitas vezes vistas como firmemente entrincheiradas e inexpugnáveis, algumas dessas ditaduras provaram ser incapazes de  suportar o desafio político econômico e social organizado do povo.

Desde 1980, as ditaduras ruíram perante o desafio predominantemente não violento de pessoas na Estônia, Letônia e Lituânia, Polônia, Alemanha Oriental, Checoslováquia e Eslovênia, Madagascar, Mali, Bolívia e Filipinas. Resistência pacífica tem promovido o movimento em  direção à democratização no Nepal, Zâmbia, Coreia do Sul, Chile, Argentina, Haiti, Brasil, Uruguai, Malásia, Tailândia, Bulgária, Hungria, Nigéria, e em várias partes da antiga União Soviética (desempenhando um papel significativo na derrota do golpe de  estado de  linha dura de  Agosto de  1991).

Além  disso, desafio político1 em  massa ocorreu na China, Birmânia e Tibete nos últimos anos. Embora essas lutas não tenham posto fim às ditaduras ou ocupações dominantes, eles expuseram a natureza brutal destes regimes repressivos à comunidade mundial, e forneceram as populações uma valiosa experiência com esta forma de  luta.

O colapso das ditaduras nos países acima citados, certamente não apagou todos os outros problemas nessas sociedades: pobreza, criminalidade, ineficiência burocrática, e a destruição ambiental são, muitas vezes, o legado de  regimes brutais. No entanto, a queda destas ditaduras elevou minimamente grande parte do sofrimento das vítimas da opressão e abriu o caminho para a reconstrução dessas sociedades com maior
democracia política, liberdades pessoais e justiça social.

Um problema persistente

Tem  havido uma tendência de  maior democratização e liberdade no  mundo nas últimas décadas. De acordo com a Freedom House, que compila um relatório anual internacional da situação dos direitos políticos e liberdades civis, o número de  países ao  redor do mundo classificados como "Livres" cresceu significativamente nos últimos anos: 2

Livres Parcialmente livres     Não-livres
                                1983     54                           47                                  64
                                1993  75                           73                                  38
                               2003    89                           55                                   48
                               2009    89                           62                                   42
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1 O termo usado neste contexto foi introduzido por  Robert Helvey. "Desafio político" é luta não violenta (protesto, não-cooperação e intervenção), aplicada desafiadora e ativamente para fins políticos. O termo surgiu em  resposta à confusão e distorção criados por  equiparação da luta não violenta ao pacifismo e "não-violência" moral ou  religiosa.  "Desafio" denota uma oposição deliberada à autoridade, por  meio de desobediência, não deixando espaço para submissão. "Desafio político" descreve o ambiente em  que a ação é empregada (político), bem como o objetivo (poder político). O termo é usado principalmente para descrever a ação das populações para recuperar o controle de  instituições governamentais através do ataque implacável às fontes de  poder das ditaduras, e o uso deliberado de  planejamento estratégico e operações para o faze-lo. Neste trabalho, desafio político, resistência não violenta e luta não violenta serão usados como sinônimos, embora os dois últimos termos geralmente se  refiram a uma gama mais ampla de  objetivos (sociais, econômicos, psicológicos, etc.).
2 Freedom House, Freedom in the World, http://www.fredomhouse.org
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No entanto, esta tendência positiva é atenuada pelo  grande número de  pessoas ainda vivendo sob condições de  tirania. A partir de  2008, 34% da população mundial de  6,6 bilhões vivia em  países designados como "não livres" 3, ou seja, áreas com extremas restrições aos direitos políticos e liberdades civis. Os 42  países na categoria "não-livres" são governados por uma série de  ditaduras militares (como na antiga Birmânia), monarquias tradicionais repressivas (como na Arábia Saudita e do Butão), partidos políticos dominantes (como na China e Coréia do Norte), ocupantes estrangeiros (como no Tibete e no  Saara Ocidental), ou estão em  estado de  transição.

Muitos países estão hoje em  estado de  rápida mudança econômica, política e social. Embora o número de  países "Livres" tenha aumentado nos últimos anos, há um grande risco de  que muitas nações, diante de  tais mudanças fundamentais rápidas, se movam na direção oposta, e experimentem novas formas de  ditadura. Panelinhas militares, indivíduos ambiciosos, oficiais eleitos e partidos políticos doutrinários repetidamente procurem impor suas vontades. Golpes de  Estado são e continuarão a ser uma ocorrência comum. Os direitos humanos e políticos básicos continuarão a serem negados a um vasto número de  pessoas.

Infelizmente, o passado ainda está conosco. O problema das ditaduras é profundo. Pessoas em  muitos países vêm  experimentando décadas ou mesmo séculos de  opressão, seja de  origem nacional ou estrangeira. Com frequência, a submissão cega a figuras de autoridade e governantes tem sido inculcada por muito tempo. Em  casos extremos, as instituições sociais, políticas, econômicas, religiosas e até mesmo da sociedade - fora do controle do estado - foram deliberadamente enfraquecidas, subordinadas, ou mesmo substituídas por novas instituições arregimentadas utilizadas pelo  Estado ou pelo  partido governante para controlar a sociedade. A população tem sido muitas vezes atomizada (transformada em  uma massa de  indivíduos isolados) incapazes de  trabalhar juntos para alcançar a liberdade, confiar uns nos outros, ou até mesmo fazer muita coisa por sua própria iniciativa.

O resultado é previsível: a população torna-se fraca, não tem autoconfiança, e é incapaz de resistir. As pessoas estão, frequentemente, muito assustadas para compartilhar seu ódio  à ditadura e seu desejo de  liberdade, mesmo com a família e amigos. As pessoas estão muitas vezes demasiado aterrorizadas para pensar seriamente em  resistência pública. Em  todo caso, de  que valeria? Em  vez disso, elas enfrentam sofrimento sem fim e um futuro sem esperança.

As condições atuais nas ditaduras de  hoje podem ser muito piores do que antes. No passado, algumas pessoas podem ter tentado resistir. Protestos em  massa de  curta duração e manifestações podem ter ocorrido. Talvez os espíritos tivessem se elevado temporariamente. Em  outras ocasiões, indivíduos e pequenos grupos podem ter feito gestos corajosos, porém impotentes, afirmando algum princípio ou simplesmente sua rebeldia. Por mais nobres que fossem os motivos, tais atos passados de  resistência foram, com frequência, insuficientes para superar o medo do povo  e o hábito de  obediência, um pré-requisito necessário para destruir a ditadura. Infelizmente, esses atos podem ter trazido, ao  invés, só  aumento do sofrimento e morte e não, vitórias ou  até mesmo a esperança.

Liberdade através da violência?

O que deve  ser feito nessas circunstâncias? As possibilidades óbvias parecem inúteis. Barreiras legais e constitucionais, decisões judiciais e a opinião pública são normalmente ignoradas pelos ditadores. Compreensivelmente, reagir às brutalidades, torturas, desaparecimentos e assassinatos, as pessoas, com frequência concluíram que só  a violência pode acabar com a ditadura. Vítimas enraivecidas algumas vezes organizaram- se para lutar contra os brutais ditadores com qualquer capacidade militar e violenta de que pudessem dispor, apesar das probabilidades serem contra elas. Essas pessoas, muitas vezes, lutaram bravamente, com um grande custo em  termos de  vidas e sofrimento. Suas realizações foram por vezes notáveis, mas eles raramente ganharam a liberdade. Rebeliões violentas podem desencadear uma repressão brutal que, frequentemente, deixa a população mais indefesa do que antes.
__________
3 Ibid. 


Independentemente do mérito da opção de  violência, no  entanto, uma coisa é certa.  Ao depositar a confiança nos meios violentos, escolhe-se exatamente o tipo de  luta em  que os opressores, quase sempre têm a superioridade. Os ditadores estão equipados para aplicar violência esmagadora. Não  importa quão longa ou brevemente esses democratas possam continuar, eventualmente, as duras realidades militares tornam-se inevitáveis. Os ditadores têm quase sempre superioridade em  equipamento militar, munições, transportes, e tamanho das forças militares. Apesar da bravura, os democratas não são (quase sempre) páreo para eles.

Quando a rebelião militar convencional é reconhecida como irrealista, alguns dissidentes, então, preferem a guerrilha. Mas, a guerrilha raramente, se alguma vez,  beneficia a população oprimida ou traz uma democracia. A guerrilha não é uma solução óbvia, sobretudo tendo em  conta a tendência muito forte de  produzir um número imenso de vítimas entre seu próprio povo. A técnica não é garantia contra a falha, apesar de  dar suporte à análise teórica e estratégica, e por vezes apoio internacional. Lutas de  guerrilha muitas vezes duram muito tempo. As populações civis  são frequentemente deslocadas pelo governo estabelecido, com imenso sofrimento humano e deslocamento social.

Mesmo quando bem sucedida, as lutas de  guerrilha têm frequentemente significativas consequências estruturais negativas de  longo prazo. Imediatamente, o regime atacado se torna mais ditatorial, como resultado de  suas contramedidas. Se  os guerrilheiros finalmente têm sucesso, o regime resultante, com frequência é mais ditatorial do que seu antecessor devido ao  impacto centralizador das forças militares ampliadas e o enfraquecimento ou a destruição de  grupos e instituições independentes da sociedade durante a luta - órgãos que são vitais para o estabelecimento e manutenção de  uma sociedade democrática. Pessoas hostis às ditaduras devem procurar outra opção.

Golpes, eleições, salvadores estrangeiros?

Um  golpe militar contra uma ditadura pode parecer relativamente uma das maneiras mais simples e rápidas de  remover um regime particularmente repugnante. Mas, existem problemas muito sérios com essa técnica. Mais importante ainda, ela  deixa no lugar a má distribuição de  poder existente entre a população e a elite que controla o governo e suas forças militares. A remoção das pessoas e grupos em  particular de  cargos governamentais mais provavelmente possibilitará que outro grupo tome seus lugares. Teoricamente, esse grupo poderia ser mais suave em  seu comportamento e mais aberto de  forma limitada a reformas democráticas. Mas, é mais provável que aconteça o contrário.

Depois de  consolidar sua posição, a nova camarilha pode vir a ser mais cruel e mais ambiciosa que a antiga. Por conseguinte, a nova camarilha - em  quem foram depositadas as esperanças - será capaz de  fazer o que quiser sem se preocupar com a democracia ou direitos humanos. Essa não é uma resposta aceitável para o problema da ditadura.

Não  existem eleições sob ditaduras  como instrumento de  mudança política significativa. Alguns regimes ditatoriais, tais como as do antigo bloco oriental dominado pelos soviéticos, passava por esse trâmite, com o objetivo de  parecer democráticos. Aquelas eleições, no  entanto, eram apenas plebiscitos rigidamente controlados para obter endosso público dos candidatos já escolhidos a dedo pelos ditadores. Ditadores sob pressão às vezes podem concordar com novas eleições, mas depois eles as instrumentalizam para colocar fantoches civis em  cargos governamentais. Se  os candidatos da oposição tivessem sido autorizados a concorrer e fossem realmente eleitos, como ocorreu na Birmânia em 1990 e na Nigéria em  1993, os resultados podem ser simplesmente ignorados e os "vencedores" submetidos a intimidação, detenção ou, até mesmo, execução. Ditadores não estão no  negócio de  autorizar eleições que possam removê-los de  seus tronos.

Muitas pessoas que agora estão sofrendo sob uma ditadura brutal, ou que tenham ido para o exílio  para escapar de  seu alcance imediato, não acreditam que os oprimidos possam se libertar. Eles esperam que o seu povo  só  possa ser salvo pelas ações de outros. Essas pessoas colocam a sua confiança em  forças externas. Elas acreditam que somente a ajuda internacional pode ser forte o suficiente para derrubar os ditadores.

A visão de  que os  oprimidos são incapazes de  agir eficazmente algumas vezes é precisa por um determinado período. Como foi observado, muitas vezes as pessoas oprimidas não estão dispostas e estão temporariamente incapazes de  lutar, porque não têm confiança na suas capacidades para enfrentar a ditadura cruel, e nenhuma maneira conhecida para se salvarem. Por isso, é compreensível que muitas pessoas coloquem sua esperança de  libertação nos outros. Esta força externa pode ser a "opinião pública", as Nações Unidas, um determinado país, ou as sanções econômicas e políticas internacionais.

Tal cenário pode soar reconfortante, mas há problemas graves com esta confiança em  um salvador externo. Essa confiança pode estar totalmente equivocada. Geralmente, nenhum salvador externo está vindo, e se um estado estrangeiro intervir, ele provavelmente não será confiável.

Algumas realidades duras sobre dependência de  intervenção estrangeira devem ser enfatizados aqui:


  • Frequentemente, estados estrangeiros tolerarão, ou até mesmo ajudarão positivamente uma ditadura, a fim de  defender seus próprios interesses econômicos ou  políticos.

  • Estados estrangeiros também podem estar dispostos a vender um povo  oprimido em  vez de  manter as promessas de  ajudar em  sua libertação à custa de  outro objetivo.

  • Alguns estados estrangeiros agirão contra uma ditadura só  para ganhar o controle econômico, político ou militar sobre o país.

  • Os estados estrangeiros podem se envolver ativamente para fins positivos somente se e quando o movimento de  resistência interna já começou a abalar a ditadura, tendo, assim, a atenção internacional direcionada para a natureza brutal do regime.

Ditaduras normalmente existem principalmente por causa da distribuição interna do poder no  país de  origem. A população e a sociedade são demasiado fracas para causar à ditadura sérios problemas; a riqueza e o poder estão concentrados em  muito poucas mãos. Embora a ditadura possa se beneficiar ou ser um pouco debilitado por ações internacionais, sua existência depende principalmente de  fatores internos.

Pressões internacionais podem ser muito úteis; mas quando elas estão apoiando um poderoso movimento de  resistência interna. Então, por exemplo, boicotes econômicos internacionais, embargos, rompimento das relações diplomáticas, expulsão de organizações internacionais, condenação por organismos das Nações Unidas, e assemelhados podem ajudar muito. Mas, na ausência de  um movimento de  resistência interna forte, tais ações por outros são improváveis que ocorram. 

Enfrentando a dura verdade

A conclusão é dura. Quando se quer derrubar uma ditadura de  forma mais eficaz e com o menor custo, então se tem quatro tarefas imediatas:


  • Deve-se fortalecer a própria população oprimida em  sua determinação, autoconfiança e habilidades de  resistência;

  • É preciso fortalecer os grupos sociais e instituições independentes do povo oprimido;

  • É preciso criar uma poderosa força interna de  resistência; e

  • Deve-se desenvolver um grande e sábio plano estratégico para a libertação e implementá-lo com habilidade.

A luta de  libertação é um momento de  autoconfiança e fortalecimento interno do grupo em luta. Conforme Charles Stewart Parnell gritou durante  a campanha irlandesa de  greve contra os aluguéis em  1879 e 1880:

Não  adianta confiar no  governo. . . . Você  deve  confiar somente em  sua própria determinação. . . . Ajudar-se permanecendo unido. . . fortalecer aqueles entre vocês que são fracos. . . , unirem-se, organizarem-se. . . e vocês devem vencer. . .

Quando você  tiver tornado esta pergunta madura para o acerto, então e só  então ela vai ser acertada. 4

Contra uma força auto-suficiente, dada a estratégia sensata, ação disciplinada e corajosa, e força genuína, a ditadura acabará por ruir. Minimamente, no  entanto, os quatro requisitos acima precisam ser atendidos.

Como a discussão acima indica, a libertação das ditaduras, em  última análise, depende da capacidade das pessoas de  libertar a si mesmas. Os casos de  desafio político bem sucedido - ou luta não violenta para fins políticos - citados acima indicam que os  meios existem para que as populações se libertem, mas essa opção permanece subdesenvolvida. Examinaremos esta opção em  detalhes nos capítulos seguintes. Mas, devemos primeiro examinar a questão das negociações como meio de  desmantelar ditaduras.
______________
4 Patrick Sarsfield O’Hegarty, A History of Ireland Under the Union, 1880-1922 (London: Methuen, 1952), pp. 490-491.




II  -  OS  PERIGOS DE  NEGOCIAÇÕES


Quando confrontados com os graves problemas de  enfrentar uma ditadura (como estudado no  Capítulo I), algumas pessoas podem cair de  volta em  submissão passiva. Outros, não vendo qualquer perspectiva de  alcançar a democracia, podem concluir que devem chegar a um acordo com a ditadura aparentemente permanente, esperando que através de "conciliação" de  "compromisso" e "negociações" eles possam ser capazes de recuperar alguns elementos positivos e acabar com as brutalidades. Na superfície, na falta de  opções realistas, há um apelo àquela linha de  raciocínio.

A luta séria contra as ditaduras brutais não é uma perspectiva agradável. Por que é necessário ir por esse caminho? Não  é possível todo mundo simplesmente ser razoável e encontrar maneiras de  falar, de  negociar o caminho até um fim gradual da ditadura? Não podem os democratas apelar ao  senso de  humanidade comum dos ditadores e convencê- los a reduzir a sua dominação progressivamente, e talvez, finalmente a ceder completamente ao  estabelecimento de  uma democracia?

Alega-se, por vezes, que a verdade não está toda de  um lado. Talvez os democratas não tenham compreendido os ditadores, que podem ter agido por motivos bons em circunstâncias difíceis? Ou talvez alguns possam pensar que os  ditadores de  bom grado retirar-se-iam da difícil  situação que o país enfrenta se, simplesmente, alguém desse algum incentivo e seduções. Pode-se argumentar que se poderia oferecer aos ditadores uma solução em  que todos ganhassem, onde cada um ganha alguma coisa. Os riscos e as dores de  mais lutas poderiam ser desnecessários, pode-se argumentar, se a oposição democrática só  estivesse disposta a resolver pacificamente o conflito através de negociações (que poderiam até, talvez, serem assistidas por alguns indivíduos qualificados ou mesmo por outro governo). Não  seria isso preferível a uma luta difícil, mesmo se fosse conduzida uma luta não violenta e não pela guerra militar?

Méritos e limitações das negociações

Negociações são uma ferramenta muito útil na resolução de  certos tipos de  problemas em conflitos, e não devem ser negligenciadas ou rejeitadas quando são adequadas.

Em  algumas situações em  que não há questões fundamentais em  jogo e, portanto, um compromisso é aceitável, as negociações podem ser um importante meio para resolver um conflito. Uma greve por melhores salários é um bom exemplo do papel apropriado das negociações em  um conflito: uma solução negociada pode proporcionar um aumento em algum lugar entre os montantes inicialmente propostos por cada um dos lados em conflito. Conflitos trabalhistas com os sindicatos legais são, no  entanto, completamente diferente do que os conflitos nos quais a manutenção de  uma ditadura cruel ou a instauração da liberdade política estão em  jogo.

Quando as questões em  jogo são fundamentais, afetando princípios religiosos, questões da liberdade humana, ou todo o desenvolvimento futuro da sociedade, as negociações não fornecem uma maneira de  alcançar uma solução mutuamente satisfatória. Em algumas questões básicas não deve  haver qualquer compromisso. Só uma mudança nas relações de poder em  favor dos democratas pode proteger adequadamente as questões básicas em  jogo. Tal mudança ocorrerá por meio da luta, não das negociações. Isso não quer dizer que as negociações nunca devam ser usadas. O ponto aqui é que as negociações não são uma forma realista para remover uma ditadura forte na ausência de uma forte oposição democrática. 


As negociações, é claro, podem simplesmente não ser uma opção. Ditadores firmemente entrincheirados que se sentem seguros em  sua posição podem se recusar a negociar com seus adversários democráticos. Ou, quando as negociações tiverem sido iniciadas, os negociadores democráticos podem desaparecer e nunca mais se ouviu falar deles.

Rendição negociada?

Indivíduos e grupos que se opõem à ditadura e são a favor das negociações, muitas vezes, têm bons motivos. Especialmente quando uma luta militar continuou durante anos contra uma ditadura brutal sem vitória final, é compreensível que todas as pessoas, independentemente da sua orientação política queiram a paz. As negociações são particularmente susceptíveis de  se tornarem um problema entre os democratas, onde os ditadores têm clara superioridade militar e a destruição e morte entre seu próprio povo não são mais suportáveis. Em  seguida, haverá uma forte tentação de  explorar qualquer outra via que pode salvar alguns dos objetivos dos democratas, enquanto põe  fim ao  ciclo de  violência e contra violência.

A oferta de  "paz"  por uma ditadura por meio de  negociações com a oposição democrática é, claro, um pouco hipócrita. A violência poderia ser encerrada imediatamente pelos próprios ditadores, se pelo  menos eles parassem a guerra contra seu próprio povo. Eles poderiam, por sua própria iniciativa, sem qualquer negociação restaurar o respeito pela dignidade humana e direitos, libertar os presos políticos, acabar com a tortura, suspender as operações militares, retirar-se do governo e pedir desculpas ao  povo.

Quando a ditadura é forte, mas existe uma resistência irritante, os ditadores podem querer negociar a rendição da oposição, sob o pretexto de  fazer a "paz". O convite para negociar pode parecer atraente, mas podem existir graves perigos à espreita na sala de negociações.

Por outro lado, quando a oposição é excepcionalmente forte e a ditadura está verdadeiramente ameaçada, os ditadores podem procurar as negociações a fim de  salvar o máximo de  seu controle ou o máximo de  riqueza possível. Em  nenhum caso os democratas devem ajudar ditadores atingir seus objetivos.

Os democratas deveriam ter cuidado com as armadilhas que podem ser deliberadamente construídas em  um processo de  negociação pelos ditadores. A chamada para as negociações quando questões básicas de  liberdades políticas estão envolvidas pode ser um esforço por parte dos ditadores para induzir os democratas a se render pacificamente, enquanto a violência da ditadura continua. Nesses tipos de  conflitos, a única função adequada das negociações pode ocorrer no  final de  uma batalha decisiva em  que o poder dos ditadores tenha sido efetivamente destruído, e eles buscam passagem segura pessoal até um aeroporto internacional.

Poder e Justiça em Negociações

Se  este julgamento parece ser um comentário demasiado duro em  negociações, talvez um pouco do romantismo associado a eles deva ser moderado. Pensamento claro é exigido quanto à forma como funcionam as negociações.

"Negociação" não significa que os  dois lados se sentam juntos em  base de  igualdade e discutem e resolvem as diferenças que produziram o conflito entre eles. Dois fatos devem ser lembrados. Primeiro, nas negociações não é a justiça relativa dos pontos de  vista conflitantes e os  objetivos que determinam o conteúdo de  um acordo negociado. Em segundo lugar, o conteúdo de  um acordo negociado é largamente determinado pela capacidade de  poder de  cada lado. 


Várias questões difíceis devem ser consideradas. O que pode fazer cada lado em  data posterior para atingir seus objetivos se o outro lado não consegue chegar a um acordo na mesa de  negociação? O que pode fazer cada lado depois de  um acordo ser alcançado, se o outro lado quebrar sua palavra e usar suas forças disponíveis para atingir seus objetivos, apesar do acordo?

Um  acordo não é alcançado nas negociações através de  uma avaliação dos erros e acertos das questões em  jogo. Embora esses possam ser muito discutido, os resultados reais nas negociações vêm  de  uma avaliação das situações de  poder absoluto e relativo dos grupos em  conflito. O que podem os democratas fazer para garantir que suas reivindicações mínimas não possam ser negadas? O que podem os ditadores fazer para ficar no  controle e neutralizar os democratas? Em  outras palavras, se um acordo surgir, é mais provável que o resultado de  cada lado estimando como se compara a capacidade de  poder dos dois lados, e depois calculando quanto uma luta aberta poderia acabar.

Atenção deve  ser prestada ao  que cada um dos lados está disposto a ceder, a fim de chegar a um acordo. Nas negociações bem sucedidas há compromisso, uma divisão das diferenças. Cada lado recebe parte do que quer, e cede parte dos seus objetivos.

No caso de  ditaduras de  extremas o que as forças pró-democracia devem ceder aos ditadores? Quais os objetivos dos ditadores são as forças pró-democracia a aceitar? Os democratas devem ceder aos ditadores (seja um partido político ou uma conspiração militar) um papel permanente constitucionalmente estabelecido no  futuro governo? Onde está a democracia nisso?

Mesmo supondo que tudo vai bem nas negociações, é necessário perguntar: Que tipo de paz  será o resultado? A vida será melhor ou pior do que seria se os  democratas começassem ou continuassem a luta?

Ditadores "Agradáveis"

Os ditadores podem ter muitos motivos e objetivos subjacentes à sua dominação: poder, posição, riqueza, remodelar a sociedade, e assim por diante. Devemos nos lembrar de  que nenhum destes será atingido se eles abandonarem as suas posições de  controle. No caso de  as negociações, os ditadores tentarão preservar seus objetivos.

Sejam quais forem as promessas oferecidas por ditadores em  qualquer solução negociada, não se deve  esquecer que os  ditadores podem prometer qualquer coisa para garantir a submissão de  seus adversários democráticos e, em  seguida descaradamente violar esses mesmos acordos.

Se  os democratas concordam em  suspender a resistência para obter uma suspensão da repressão, eles podem ficar muito decepcionados. Um  interrupção da resistência raramente leva à redução da repressão. Uma vez que a força de  restrição da oposição interna e internacional tenha sido removida, os ditadores podem até mesmo tornar sua opressão e violência mais brutal do que antes. O colapso da resistência popular, muitas vezes elimina a força de  contrapeso que limitava o controle e brutalidade da ditadura. Os tiranos podem, então, avançar contra quem quer que seja. "Porque o tirano tem o poder de infligir apenas a quem falta a força para resistir", escreveu Krishnalal Shridharani. 5
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5 Krishnalal Shridharani, War Without Violence: A Study of Gandhi’s Method and Its Accomplishments (New York:  Harcourt, Brace, 1939, and reprint New York  and London: Garland Publishing, 1972), p. 260. 


A resistência, não as negociações, é essencial para a mudança nos conflitos em  que questões fundamentais estão em  jogo. Em  quase todos os casos, a resistência deve continuar a conduzir os ditadores para fora do poder. O Sucesso é mais frequentemente determinado não pela negociação de  um acordo, mas através da utilização racional dos meios mais apropriados e potentes de  resistência disponíveis. É nosso argumento, a ser explorado mais tarde com mais detalhes, que o desafio político, ou a luta não violenta, é o meio mais poderoso disponível para aqueles que lutam pela liberdade.

Que tipo de paz?

Se  finalmente ditadores e democratas devem falar sobre a paz, raciocínio extremamente claro é necessário devido aos perigos envolvidos. Nem  todo mundo que usa a palavra "paz" quer a paz  com liberdade e justiça. A submissão à opressão cruel e aquiescência passiva a ditadores cruéis que cometeram atrocidades em  centenas de  milhares de pessoas não é a verdadeira paz. Hitler muitas vezes pediu paz, com o que ele  queria dizer submissão à sua vontade. A paz  dos ditadores é muitas vezes nada mais que a paz  da prisão ou do sepulcro.

Há outros perigos. Os negociadores bem intencionados, às vezes confundem os objetivos das negociações e o processo de  negociação em  si. Além  disso, negociadores democráticos ou especialistas em  negociação estrangeiros aceitos para ajudar nas negociações podem em  um único golpe fornecer aos ditadores a legitimidade interna e internacional que havia sido negado anteriormente devido à sua tomada do estado, violações dos direitos humanos e brutalidades . Sem aquela legitimidade desesperadamente necessária, os ditadores não pode continuar a governar indefinidamente. Expoentes da paz  não devem lhes dar legitimidade.

Razões para se ter esperança

Conforme afirmado anteriormente, os líderes da oposição podem se sentir forçados a prosseguir as negociações com um sentimento de  desesperança da luta democrática.  No entanto, essa sensação de  impotência pode ser alterada. Ditaduras não são permanentes. As pessoas que vivem sob ditaduras não precisam permanecer fracas, e os  ditadores não precisam ser autorizados a permanecer fortes por tempo indeterminado. Aristóteles observou há muito tempo "6  . . . A oligarquia e a tirania têm vida mais curta do que qualquer outra constituição. . . . Todas juntas, as tiranias não duraram muito tempo. " 6
As ditaduras modernas também são vulneráveis. Seus pontos fracos podem ser agravados e o poder dos ditadores pode ser desintegrado. (No Capítulo Quatro, examinaremos esses pontos fracos em  detalhes.)

A história recente mostra a vulnerabilidade das ditaduras e revela que elas podem se desintegrar em  um curto espaço de  tempo: enquanto que dez  anos - 1980-1990 - foram necessários para derrubar a ditadura comunista na Polônia; na Alemanha Oriental e na Tchecoslováquia em  1989 ela  ocorreu dentro de  semanas. Em  El Salvador e na Guatemala em  1944, as lutas contra os ditadores militares brutais entrincheirados exigiram cerca de  duas semanas cada. O poderoso regime militar do Xá do Irã foi solapado em  alguns meses. A ditadura de  Marcos nas Filipinas caiu diante do poder do povo  dentro de  algumas semanas em  1986: o governo dos Estados Unidos abandonou rapidamente o presidente Marcos quando a força da oposição tornou-se aparente. O golpe da linha dura tentado na União Soviética em  Agosto de  1991 foi bloqueado em  dias pelo desafio político. Depois disso, muitos de  suas nações constituintes dominadas por longo tempo, em  poucos dias, semanas, meses recuperaram suas independências.
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6 Aristóteles, A Política, tradução de  Sinclair TA (Harmondsworth, Middlesex, England and Baltimore, Maryland: Penguin Books 1976 [1962]), Livro  V, Capítulo 12, pp. 231 e 232. 


O antigo preconceito de  que meios violentos sempre funcionam rapidamente e meios não violentos exigem mais tempo claramente não é válido. Embora muito tempo possa ser necessário para a evolução da situação e da sociedade subjacentes, a luta efetiva contra uma ditadura, por vezes, ocorre de  forma relativamente rápida através de  luta não violenta.

As negociações não são a única alternativa a uma guerra contínua de  aniquilação de  um lado e capitulação do outro. Os exemplos que acabei de  citar, bem como aqueles enumerados no  Capítulo I, mostram que existe outra opção para aqueles que querem a paz e a liberdade: o desafio político.



III  -  DE  ONDE  VEM O PODER?


Alcançar uma sociedade com liberdade e paz  não é, obviamente, tarefa simples. Exigirá grande habilidade estratégica, organização e planejamento. Acima de  tudo, exigirá poder. Os democratas não podem esperar derrubar uma ditadura e estabelecer liberdade política sem a capacidade de  aplicar o seu próprio poder de  forma eficaz.

Mas como isso é possível? Que tipo de  poder pode a oposição democrática mobilizar que será suficiente para destruir a ditadura militar e sua vasta redes militar e de  polícia? As respostas estão em  uma compreensão frequentemente ignorada do poder político. A aprendizagem dessa percepção não é realmente uma tarefa tão difícil. Algumas verdades básicas são bastante simples.

A fábula "O Mestre dos Macacos"

Uma parábola chinesa do Século XIV de  autoria de  Liu  Ji, por exemplo, descreve muito bem esse entendimento negligenciado do poder político: 7

No  estado feudal de  Chu, um velho sobrevivia mantendo  macacos ao seu serviço. O povo  de  Chu o chamava de  "ju gong" (mestre dos macacos).
Todas as manhãs,  o velho reunia os macacos em  seu pátio, e dava ordem ao mais velho de  liderar os outros até as montanhas para colher frutos de arbustos e árvores. A regra era que cada macaco tinha que dar um décimo de   sua colheita ao velho. Aqueles que  não  conseguissem  fazê-lo seriam chicoteados impiedosamente.  Todos os  macacos  sofriam  amargamente, mas não se atreviam a reclamar.
Um  dia, um pequeno macaco perguntou aos outros macacos: "Foi  o velho quem plantou todas as árvores de  fruto  e arbustos ?" Os outros disseram: "Não, eles cresceram naturalmente."  O  pequeno macaco ainda perguntou: "Não   podemos colher os frutos sem a permissão do  velho ?"  Os outros responderam: "Sim, todos nós podemos," O  pequeno macaco continuou: "Então,  por que devemos depender do  velho; por que todos nós devemos servi-lo?"
Antes que o  pequeno macaco pudesse terminar sua declaração, todos os macacos de  repente se tornaram iluminados e despertos.
Naquela mesma noite, vendo que o  velho tinha  adormecido, os macacos derrubaram todas as barricadas da paliçada em  que estavam confinados e destruíram  totalmente a paliçada. Eles também levaram os frutos  que  o velho tinha  em   estoque, trouxeram  todos eles consigo para  a floresta, e nunca mais retornaram. O velho finalmente morreu de  inanição.
Yu-li-zi diz,  "Alguns homens no  mundo governam seus povos por meio de truques e não através de  princípios justos. Eles não são exatamente como o mestre  dos  macacos?  Eles  não  estão  conscientes  das  suas  confusões mentais. Assim que seus povos se tornam iluminados, seus truques não funcionam mais."
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7 Esta história, intitulada originalmente "Governo por truques" é de Yu-li-zi por Liu Ji (1311-1375) e foi traduzida por Sidney Tai, todos os direitos reservados.
Yu-li-zi também é o pseudónimo de Liu-Ji. A tradução foi publicada originalmente em Nonviolent Sanctions: News from the Albert Einstein Institution (Cambridge, Mass.), Vol.IV, n.º 3 (Inverno 1992-1993), p.3


Fontes necessárias de poder político

O princípio é simples. Ditadores exigem o apoio do povo  que governam, sem a qual eles não pode garantir e manter as fontes de  poder político. Estas fontes de  poder político incluem:


  • Autoridade, a crença entre as pessoas de  que o regime é legítimo, e que têm o dever moral de  obedece-lo;
  • Recursos humanos, o número e a importância das pessoas e grupos que estão obedecendo, cooperando, ou a prestando apoio aos governantes;
  • Habilidades e conhecimentos necessários para o regime execute ações específicas e fornecidos pelas pessoas e grupos que colaboraram;
  • Fatores intangíveis, fatores psicológicos e ideológicos que podem induzir as pessoas a obedecer e ajudar os governantes;
  • Recursos materiais, o grau em  que os governantes controlam ou têm acesso a bens, recursos naturais, recursos financeiros, o sistema econômico, e meios de comunicação e transporte, e
  • Sanções, punições, ameaçadas ou aplicadas contra o desobediente e não- cooperativo para assegurar a submissão e cooperação que são necessárias para que o regime exista e realize suas políticas. Todas estas fontes, no  entanto, dependem da aceitação do regime, da submissão e obediência da população, e da colaboração de  inúmeras pessoas e as diferentes instituições da sociedade. Estes não são garantidos.

Total cooperação, obediência e apoio aumentarão a disponibilidade das fontes de  poder necessárias e, consequentemente, ampliarão a capacidade de  poder de  qualquer governo.

Por outro lado, a retirada de  colaboração popular e institucional com os agressores e os ditadores diminui, e pode até cortar a disponibilidade das fontes de  poder de  que todos os governantes dependem. Sem disponibilidade dessas fontes, o poder dos governantes enfraquece e, finalmente, se dissolve.

Naturalmente, os ditadores são sensíveis a ações e ideias que ameaçam sua capacidade de  fazer o que gostam. Os ditadores são, portanto, susceptíveis de  ameaçar e punir aqueles que desobedecem, fazem greve, ou deixam de  cooperar. Mas, esse não é o fim da história. Repressão, até mesmo brutalidades, nem sempre produzem uma retomada do grau necessário de  submissão e de  cooperação para que o regime funcione.

Se, apesar da repressão, as fontes de  poder podem ser restringidas ou cortadas por tempo suficiente, os resultados iniciais podem ser incerteza e confusão dentro da ditadura. É provável que isso seja seguido por um claro enfraquecimento do poder da ditadura. Com o tempo, a retenção das fontes de  poder pode produzir a paralisia e impotência do regime, e em  casos graves, sua desintegração. O poder de  ditadores morrerá, lenta ou rapidamente, de  inanição política.

O grau de  liberdade ou  a tirania em  qualquer governo é, consequentemente, em  grande parte um reflexo da determinação relativa dos súditos de  serem livres e sua disposição e capacidade de  resistir aos esforços para escravizá-los.


Contrariamente à opinião popular, mesmo as ditaduras totalitárias dependem da população e das sociedades que governam. Como o cientista  político Karl W. Deutsch observou em  1953:
O  poder totalitário  só  é  forte se ele   não tem que ser usado  com muita frequência.  Se   o   poder  totalitário  precisa  ser  utilizado  em    todos  os momentos contra toda a população, é improvável que continue  poderoso por muito tempo. Uma vez  que os regimes totalitários exigem mais poder para lidar com seus súditos do  que outros tipos de  governo, tais regimes exigem mais hábitos generalizados e confiáveis de  cumprimento de  normas entre seus povos, mais que isso, eles precisam ser capazes de  contar com o apoio ativo de  pelo   menos partes  significativas da população em  caso de necessidade. 8

O teórico inglês do século  XIX, John Austin descreveu a situação de  uma ditadura confrontando um povo  descontente. Austin argumentava que, se a maioria da população estava determinada a destruir o governo e estava disposta a suportar a repressão para fazê-lo, então o poder do governo, incluindo aqueles que a apoiavam, não poderia preservar o governo odiado, mesmo que ele  recebesse ajuda externa. O povo  desafiador não poderia ser forçados a voltar à obediência e submissão permanente, concluía Austin. 9

Nicolau Maquiavel muito mais cedo argumentou que o príncipe ". . . que tem o público como um todo como seu inimigo nunca poderá estar seguro, e quanto maior a sua crueldade, o mais fraco seu regime se torna". 10

A aplicação prática política dessas ideias foi demonstrada pela heroicos resistentes noruegueses contra a ocupação nazista e, conforme citado no  Capítulo I, pelos bravos poloneses, alemães, tchecos, eslovacos, e muitos outros que resistiram à agressão comunista e à ditadura e, finalmente, ajudaram a produzir o colapso do regime comunista na Europa. Este, naturalmente, não é fenômeno novo: casos de  resistência não violenta, ocorriam já em 494 A.C., quando plebeus retiraram  sua cooperação de  seus senhores patrícios romanos. 11 Luta não violenta tem sido empregada em  vários momentos pelos povos de  toda a Ásia, África, Américas, Australasia,  ilhas do Pacífico, assim como a da Europa.

Três dos fatores mais importantes para determinar em  que grau o poder de  um governo será ou não controlados, são: (1) o desejo relativo da população de  impor limites ao  poder do governo, (2) a força relativa das organizações independentes e instituições dos súditos de  retirar coletivamente as fontes de  poder, e (3) a capacidade relativa da população de reter seu consentimento e apoio.
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8 Karl  W. Deutsch, “Cracks in the Monolith,” in Carl J. Friedrich, ed., Totalitarianism (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1954), pp. 313-314.
9 John Austin, Lectures on Jurisprudence or the Philosophy of Positive Law (Fifth edition, revisada editada por Robert Campbell, 2 vol., London: John Murray, 1911 [1861]), vol. I, p.
296
10 Niccolo Machiavelli, "Os Discursos sobre os  dez  primeiros livros de  Tito Lívio," nos discursos de Nicolau Maquiavel Londres (: Routledge e Kegan Paul, 1950), vol. I, p. 254.
11 Ver Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action (Boston: Porter Sargent, 1970. 75  e frequentemente para outros exemplos históricos. 


Centros de poder democrático

Uma característica de  uma sociedade democrática é que existem, independente do estado, um grande número de  grupos e instituições não governamentais. Estas incluem, por exemplo, famílias, organizações religiosas, associações culturais, clubes desportivos, instituições econômicas, sindicatos, associações estudantis, partidos políticos, vilas, associações de  bairro, de  jardinagem, clubes, organizações de  direitos humanos, grupos musicais, sociedades literárias, entre outros. Esses órgãos são importantes para servir os seus próprios objetivos e também para ajudar a atender às necessidades sociais.

Além  disso, esses órgãos têm um grande significado político. Eles fornecem as bases institucionais e de  grupo através das quais as pessoas podem exercer influência sobre os rumos da sua sociedade, e resistir a outros grupos ou  ao  governo quando eles são vistos como interferindo injustamente sobre os  seus interesses, atividades ou finalidades. Indivíduos isolados, não integrantes desses grupos, geralmente são incapazes de  produzir um impacto significativo sobre o resto da sociedade, muito menos sobre um governo e, certamente, não sobre uma ditadura.

Consequentemente, se a autonomia e a liberdade de  tais organismos podem ser tiradas pelos ditadores, a população estará relativamente impotente. Além  disso, se essas instituições podem ser elas mesmas ditatorialmente controladas pelo  regime central ou substituídas por novos entes controlados, elas podem ser usadas para dominar tanto os membros individuais quando também aquelas áreas da sociedade.

No entanto, se a autonomia e a liberdade das instituições civil independentes (fora do controle do governo) podem ser mantidas ou  restabelecidas, elas são muito importantes para a aplicação do desafio político. A característica comum dos exemplos citados em  que as ditaduras foram desintegradas ou enfraquecidas tem sido a corajosa aplicação em massa de  desafio político pela população e suas instituições.

Conforme foi dito, estes centros de  poder proporcionam as bases institucionais a partir das quais a população pode exercer pressão ou pode resistir aos controles ditatoriais. No futuro, elas farão parte da base estrutural indispensável para uma sociedade livre. Sua independência e crescimento contínuos, portanto, são muitas vezes um pré-requisito para o sucesso da luta de  libertação.

Se a ditadura foi amplamente bem-sucedida em  destruir ou controlar organismos independentes da sociedade, será importante para os  resistentes criar novos grupos sociais e instituições independentes, ou reafirmar o controle democrático sobre os organismo sobreviventes ou  parcialmente controlados. Durante a Revolução Húngara de 1956-1957, uma infinidade de  conselhos de  democracia direta surgiram, mesmo se unindo para estabelecer, por algumas semanas, todo um sistema federado de  instituições e de  governo. Na Polônia, durante  o final dos anos 80, os trabalhadores sindicatos Solidariedade ilegais e, em  alguns casos, assumiram o controle dos sindicatos oficiais dominado pelos comunistas. Tais evoluções institucionais podem ter consequências políticas importantes.

Naturalmente, nada disto significa que fragilizar e destruir as ditaduras é fácil, nem que toda tentativa será bem sucedida. E certamente não significa que a luta estará livre de baixas, porque aqueles que ainda servem os ditadores provavelmente reagirão em  um esforço para forçar a população a retomar a cooperação e a obediência.

A percepção do poder acima não  significa, contudo, que  a desintegração deliberada das ditaduras é possível. Ditaduras em  particular, têm características específicas que as tornam altamente vulneráveis ao  desafio político habilmente implementado. Vamos examinar essas características com mais detalhes.



IV  -  DITADURAS  TÊM FRAQUEZAS


As ditaduras frequentemente parecem ser invulneráveis. As agências de  inteligência, policia, forças militares, prisões, campos de  concentração e esquadrões da morte são controlados por um punhado de  poderosos. As finanças de  um país, os recursos naturais e as capacidades de  produção são muitas vezes arbitrariamente saqueadas por ditadores e utilizadas para apoiar a vontade dos ditadores.

Em  comparação, as forças da oposição democrática parecem frequentemente extremamente fracas, ineficazes e impotentes. Essa percepção de  invulnerabilidade contra a impotência torna improvável a oposição eficiente.
Mas, essa não é toda a história.

Identificando o calcanhar de Aquiles

Um  mito da Grécia Clássica ilustra bem a vulnerabilidade daqueles supostamente invulneráveis. Contra o guerreiro Aquiles, nenhum golpe feriria e nenhuma espada penetraria sua pele. Quando ainda bebê, a mãe de  Aquiles o teria supostamente mergulhado nas águas do rio mágico Estige, resultando na proteção de  seu corpo contra todos os  perigos. Houve, no  entanto, um problema. Uma vez que o bebê foi segurado por seu calcanhar para que ele  não fosse lavado pelas águas, a água mágica não cobriu essa parte pequena de  seu corpo. Quando Aquiles era um homem adulto, ele parecia a todos ser invulnerável às armas dos inimigos. Mas, na batalha contra Tróia, instruído por alguém que conhecia a fraqueza, um soldado inimigo apontou sua flecha para o calcanhar desprotegido de  Aquiles, o único lugar onde ele poderia ser ferido. O golpe se provou fatal. Ainda hoje, a expressão "calcanhar de  Aquiles" refere-se a parte vulnerável de  uma pessoa, de  um plano, ou de  uma instituição que se for atacado não oferece qualquer proteção.

O mesmo princípio se aplica ditaduras cruéis. Elas, também, podem ser conquistadas, mas mais rapidamente e com menor custo, se os seus pontos fracos puderem ser identificados e o ataque concentrado neles.

Fraquezas das ditaduras

Entre os pontos fracos das ditaduras estão os seguintes:


  1. A cooperação entre uma multidão de  pessoas, grupos e instituições necessárias para operar o sistema pode ser limitada ou revogada
  2. Os requisitos e os efeitos das políticas do passado do regime de  alguma forma limitam sua capacidade atual de  adotar e implementar políticas conflitantes.
  3. O sistema pode se tornar rotineiro em  sua operação, menos capaz de  se adaptar rapidamente às novas situações.
  4. O pessoal e os  recursos já alocados para as tarefas existentes não estarão facilmente disponíveis para novas necessidades.
  5. Os subordinados com medo de  desagradar seus superiores podem não relatar informações precisas ou completas necessárias pelos ditadores para tomar decisões.
  6. A ideologia pode corroer, e mitos e símbolos do sistema podem se tornar instáveis. 
  7. Se  uma forte ideologia estiver presente, que influencie a visão da realidade das pessoas, a firme adesão a ela pode causar desatenção às condições e necessidades reais.
  8. A deterioração da eficiência e competência da burocracia, ou controles e regulamentos excessivo podem tornar ineficazes as políticas e operação do sistema.
  9. Os conflitos institucionais e rivalidades pessoais internos e hostilidades podem prejudicar e até mesmo interromper o funcionamento da ditadura.
  10. Intelectuais e estudantes podem se tornar inquietos em  resposta às condições, restrições, doutrinalismo e repressão.
  11. O público em  geral pode, ao  longo do tempo, tornam-se apático, cético e até mesmo hostil ao  regime.
  12. Diferenças regionais, de  classe, culturais, ou nacionais podem se tornar agudas.
  13. A hierarquia de  poder da ditadura é sempre instável, até certo ponto, e às vezes extremamente instável. Os indivíduos não só  se mantêm na mesma posição no ranking, mas pode subir ou descer até outros graus, ou ser totalmente removido e substituído por novas pessoas.
  14. Seções da polícia ou das forças armadas podem agir para alcançar seus próprios objetivos, mesmo contra a vontade estabelecida dos ditadores, inclusive através de golpe de  Estado.
  15. Se  a ditadura é nova, é necessário tempo para que ela se torne bem estabelecida.
  16. Com tantas decisões tomadas por tão poucas pessoas nas ditaduras, erros de julgamento, política e ação provavelmente ocorrerão.
  17. Se  o regime visa evitar esses perigos e descentraliza controles e tomada de  decisão, seu controle sobre as alavancas centrais do poder pode ser ainda mais corroído.

Atacando as fraquezas das ditaduras

Com o conhecimento de  tais fraquezas inerentes, a oposição democrática pode procurar agravar estes "calcanhares de  Aquiles" deliberadamente, a fim  de  alterar drasticamente o sistema ou desintegrá-lo.

A conclusão então é clara: apesar da aparência de  força, todas as ditaduras têm fraquezas, ineficiências internas, rivalidades pessoais, deficiências institucionais, e conflitos entre organizações e departamentos. Essas fraquezas, ao  longo do tempo, tendem a tornar o regime menos eficaz e mais vulneráveis às mudanças de  condições e resistência deliberada. Nem  tudo o que o regime se propõe a realizar será completado. Às vezes, por exemplo, mesmo as ordens diretas de  Hitler nunca foram aplicadas porque aqueles abaixo dele na hierarquia se recusaram a cumpri-las. O regime ditatorial pode, às vezes, até mesmo desmoronar rapidamente, como já observamos.


Isso não significa que as ditaduras possam ser destruídas sem riscos e vitimas. Cada curso de  ação possível para a libertação envolverá riscos e sofrimentos em  potencial, e levará tempo para funcionar. E, naturalmente, nenhum meio de  ação pode garantir o sucesso rápido em  qualquer situação. Mas, os tipos de  luta que visam os pontos fracos identificados da ditadura têm maior chance de  sucesso do que aqueles que visam combater a ditadura onde ela  é claramente mais forte. A questão é como essa luta deve ser travada.




V  -  EXERCITANDO O PODER

No Capítulo Um  observamos que a resistência militar contra as ditaduras não os ataca onde eles são mais fracos, mas sim onde eles são mais fortes. Ao optar por concorrer nas áreas de forças militares, fornecimento de  munições, tecnologia de  armas, e assemelhadas, os movimentos de  resistência tendem a se colocar em  clara desvantagem. As ditaduras quase sempre serão capazes de  reunir recursos superiores nestas áreas. Os perigos de  contar com potências estrangeiras para a salvação também foram descritos. No Capítulo Dois examinamos os  problemas de  se depender de  negociações como meio para remover as ditaduras.

Quais são então os meios disponíveis que oferecerão à resistência democrática vantagens distintas e tenderão a agravar as deficiências identificadas das ditaduras? Que técnica de ação capitalizará sobre a teoria do poder político discutida no  Capítulo Três? A alternativa de  escolha é o desafio político.

O desafio político tem as seguintes características:


  • Ele  não aceita que o resultado será decidido por meio de  combates escolhidos pela ditadura.
  • É difícil  para o regime combate-lo.
  • Ele  pode agravar a única fraqueza da ditadura e pode cortar suas fontes de poder.
  • Ele  pode, ao  atuar, ser amplamente disperso, mas também pode ser concentrado em  um objetivo específico.
  • Ele  leva a erros de  julgamento e ação pelos ditadores.
  • Ele  pode utilizar eficazmente a população como um todo e grupos e instituições da sociedade na luta pelo  fim da brutal dominação de  uns poucos.
  • Ele ajuda a espalhar a distribuição de poder efetivo na sociedade, tornando mais possível o estabelecimento e a manutenção de  uma sociedade mais democrática.

O funcionamento da luta não violenta

Da mesma forma que as capacidades militares, o desafio político pode ser utilizado para uma variedade de  propósitos, que vão  desde esforços para influenciar o adversário a tomar medidas diferentes, criar condições para uma resolução pacífica do conflito, ou desintegrar o regime do oponente. No entanto, o desafio político opera de  forma muito diferente da violência. Embora ambas as técnicas sejam meios de  se travar a luta, elas o fazem com meios e consequências muito diferentes. As formas  e os  resultados dos conflitos violentos são bem conhecidos. Armas físicas são usadas para intimidar, ferir, matar e destruir.

A luta não violenta é um meio muito mais complexo e variado que a violência. Em  vez disso, a luta é travada por armas psicológicas, sociais, econômicas e políticas aplicadas pela população e as instituições da sociedade. Estas têm sido conhecidos sob vários nomes de protestos, greves, não cooperação, boicotes, ruptura e o poder do povo. Conforme mencionado anteriormente, todos os governos só podem governar enquanto recebem reposição das fontes necessárias de  seu poder a partir da cooperação, submissão e obediência da população e instituições da sociedade. O desafio político, ao contrário da violência, é perfeitamente capaz de  cortar aquelas fontes de  poder.

Armas e disciplina não violentas

O erro comum de  campanhas de  desafio político no  passado é a dependência de  apenas um ou dois métodos, tais como greves e demonstrações em  massa. De fato, existe uma multiplicidade de  métodos que permitem aos estrategistas da resistência concentrar e dispersar a resistência, conforme necessário.

Cerca de  duas centenas de  métodos específicos de  ação não violenta foram identificadas, e há certamente dúzias de  outros. Esses métodos são classificados em  três grandes categorias: protesto e persuasão, não cooperação e intervenção. Métodos de  protesto não violento e persuasão são demonstrações largamente simbólicas, incluindo paradas, marchas e vigílias (54  métodos). A não cooperação é dividida em  três subcategorias: (a) não cooperação social (16  métodos), (b) não cooperação econômica, incluindo boicotes (26 métodos) e greves (23  métodos), e (c) não cooperação política (38  métodos). A intervenção não violenta, por meio psicológicos, físicos, sociais, econômicos ou políticos, tais como jejum, ocupação não violenta, e governo paralelo (41  métodos), é o grupo final. Uma lista de  198 desses métodos está incluída como apêndice à presente publicação.

O uso de  um número considerável desses métodos - cuidadosamente escolhidos, aplicados persistente e em  grande escala, exercitados no  contexto de  uma estratégia sensata e táticas adequadas por civis  treinados - pode, provavelmente, causar problemas graves a qualquer regime ilegítimo. Isso se aplica a todas as ditaduras.

Em  contraste com meios militares, os métodos de  luta não violenta pode ser focado diretamente sobre as questões em  jogo. Por exemplo, uma vez que a questão da ditadura é essencialmente política, então as formas políticas da luta não violenta seriam cruciais.
Estas incluiriam a negação de  legitimidade aos ditadores e a não cooperação com os seus regimes. A não cooperação também seria aplicada contra políticas específicas. Às vezes, protelação e procrastinação podem ser praticadas tranquilamente e até mesmo secretamente, enquanto que em  outros momentos a desobediência aberta e desafiadora em manifestações públicas e greves podem ser visíveis a todos.

Por outro lado, se a ditadura é vulnerável às pressões econômicas, ou se muitas das queixas populares contra ela são de  natureza econômica, então ações econômicas, tais como boicotes ou greves podem ser métodos adequados de  resistência. Os esforços dos ditadores para explorar o sistema econômico podem ser enfrentados com greves gerais limitadas, operações tartaruga, e recusa de  assistência por (ou desaparecimento de) especialistas indispensáveis. O uso seletivo de  diferentes tipos de  greve podem ser realizados em  pontos chave na produção, nos transportes, no  fornecimento de  matérias- primas e na distribuição de  produtos.

Alguns métodos de  luta não violenta exigem que as pessoas pratiquem atos não relacionados com suas vidas normais, tais como a distribuição de  folhetos, operação de imprensa clandestina, greves de  fome, ou sentar-se nas ruas. Esses métodos pode ser difíceis de  serem realizados por algumas pessoas, exceto em  situações muito extremas.

Outros métodos de  luta não violenta, ao  invés exigem que as pessoas continuem a levar aproximadamente suas vidas normais, embora de  maneiras um pouco diferentes. Por exemplo, as pessoas podem comparecer ao  trabalho, ao  invés de  fazer greve, mas, então, deliberadamente trabalhar mais devagar ou de  forma menos eficiente que o habitual. "Erros" podem ser cometidos conscientemente, com maior frequência. A pessoa pode ficar "doente" e "incapaz" para trabalhar em  determinados momentos. Ou, pode simplesmente se recusar a trabalhar. Pode-se ir a cultos religiosos em  que o ato expressa, não só  as convicções religiosas, mas também as convicções políticas. Pode-se agir para proteger as crianças contra propaganda dos atacantes através de  educação em  casa ou em  aulas ilegais. Pode-se recusar a participar de  certas organizações "recomendadas" ou obrigatórias às quais não se teria aderido livremente em  épocas anteriores. A semelhança de  tais tipos de ação com as atividades habituais das pessoas e o grau limitado de afastamento de  suas vidas normais pode tornar a participação na luta de  libertação nacional muito mais fácil  para muitas pessoas.

Uma vez que a luta não violenta e a violência funcionam de  maneiras fundamentalmente diferentes, mesmo a resistência violenta limitada durante uma campanha de  desafio político será contraproducente, pois transformará a luta em  uma em  que os ditadores têm uma vantagem esmagadora (guerra militar). A disciplina não violenta é a chave para o sucesso, e deve  ser mantida, apesar de  provocações e brutalidades pelos ditadores e seus agentes.

A manutenção da disciplina não violenta contra os adversários violentos facilita o funcionamento dos quatro mecanismos de  mudança em  luta não violenta (discutidos abaixo). A disciplina não violenta é também extremamente importante no  processo de  jiu- jitsu político. Neste processo, a brutalidade crua do regime contra os ativistas claramente não violentos se reflete politicamente contra a posição dos ditadores, causando discórdia em suas próprias fileiras, bem como fomentando suporte aos resistentes entre a população em geral, os defensores habituais do regime e terceiros.

Em  alguns casos, entretanto, a violência limitada contra a ditadura pode ser inevitável. Frustração e ódio  ao  regime podem explodir em  violência. Ou, determinados grupos podem não estar dispostos a abandonar a meios violentos, apesar de  reconhecer o papel importante da luta não violenta. Nestes casos, o desafio político não precisa ser abandonado. No entanto, será necessário separar a ação violenta, na medida do possível, da ação não violenta. Isto deve  ser feito em  termos de  geografia, grupos de  população, tempo e questões. Caso contrário, a violência pode ter um efeito desastroso sobre o uso potencialmente muito mais poderoso e bem sucedido do desafio político.

Os registros históricos indicam que, embora baixas em  termos de  mortos e feridos devem ser esperadas em  desafios políticos, elas serão muito menores que as baixas em  guerra militar. Além  disso, este tipo de  luta não contribui para o ciclo  interminável de  matança e brutalidade.

A luta não violenta luta tanto exige  quanto tende a produzir uma perda (ou maior controle) do medo do governo e de  sua repressão violenta. Este abandono ou o controle do medo é um elemento fundamental para destruir o poder dos ditadores sobre a população em  geral.

Abertura, sigilo, e altos padrões

Sigilo, engano e conspiração subterrânea apresentam problemas muito difíceis para um movimento que esteja usando ação não violenta. Muitas vezes, é impossível impedir que a polícia política e agentes de  inteligência fiquem informados sobre intenções e planos. Do ponto de  vista do movimento, o segredo não está apenas enraizado no medo, mas contribui para o medo, o que amortece o espírito de  resistência e reduz o número de pessoas que podem participar em  uma determinada ação. Ele  também pode contribuir para suspeitas e acusações, muitas vezes injustificadas, dentro do movimento, a respeito de  quem é um informante ou um agente dos adversários. O sigilo  também pode afetar a capacidade de  um movimento de  permanecer não violento. Em  contraste, a abertura com relação a intenções e planos não só  terão efeito contrário, mas contribuirão para uma imagem de  que o movimento de  resistência é de  fato extremamente poderoso. O problema é, naturalmente, mais complexo do que isso sugere, e há aspectos importantes das 


atividades de  resistência que podem exigir sigilo. Uma avaliação bem informada será necessária por aqueles que têm conhecimento sobre as dinâmicas da luta não violenta, e também do significado de  vigilância da ditadura na situação específica.

A edição, impressão e distribuição de  publicações proibidas, o uso de  transmissões ilegais de  rádio do interior do país, bem como a coleta de  informações sobre as operações da ditadura estão entre os tipos especiais limitado de  atividades, onde um alto grau de sigilo será necessário.

A manutenção de  elevados padrões de  comportamento na ação não violenta é necessária em  todas as fases do conflito. Fatores tais como o destemor e manutenção de  disciplina não violenta são sempre necessários. É importante lembrar que um grande número de pessoas pode, muitas vezes, ser necessário para efetuar mudanças específicas. Mas, esses números podem ser obtidos como participantes de confiança somente com a manutenção dos elevados padrões do movimento.

Mudando as relações de poder

Os estrategistas precisam lembrar que o conflito em  que o desafio político é aplicado é um campo de  luta em  constante mudança, com interação contínua de  ações e reações. Nada é estático. As relações de  poder, tanto absolutas quanto relativas estão sujeitas a mudanças constantes e rápidas. Isto é possibilitado pelos resistentes continuando sua persistência não violenta, apesar da repressão.

As variações no  poder respectivos das partes nesse tipo de  situação de  conflito tendem a ser mais extremas do que em  conflitos violentos; ocorrer mais rapidamente e ter consequências mais diversificadas e politicamente significativas. Devido a essas variações, ações específicas dos resistentes são susceptíveis de  ter consequências muito além do tempo e lugar específico em  que elas ocorrem. Estes efeitos se refletirão para fortalecer ou enfraquecer um grupo ou outro.

Além  disso, o grupo não violento pode, em  grande medida, por suas ações exercer influência sobre o aumento ou a diminuição do poder relativo do grupo adversário. Por exemplo, a resistência não violenta corajosa e disciplinada diante das brutalidades dos ditadores pode induzir inquietação, insatisfação, insegurança e, em  casos extremos, até mesmo um motim entre os  próprios soldados do  ditador e a população. Essa resistência pode também resultar na crescente condenação internacional da ditadura. Além  disso, o uso hábil, disciplinado e persistente de  desafio político pode resultar em  maior ou menor participação na resistência por pessoas que normalmente dariam o seu apoio tácito ao ditadores ou, geralmente, permaneceriam neutras no  conflito.

Quatro Mecanismos de mudança

A luta não violenta produz mudança de  quatro maneiras. O primeiro mecanismo é o menos provável, embora tenha ocorrido. Quando os membros do grupo adversário estão emocionados com o sofrimento da repressão imposta aos corajosos resistentes não violentos, ou estão racionalmente persuadidos de  que a causa dos opositores é justa, eles podem vir a aceitar os objetivos dos resistentes. Esse mecanismo é chamado de conversão. Embora casos de  conversão em  ação não violenta efetivamente ocorram algumas vezes, eles são raros, e na maioria dos conflitos isso simplesmente não ocorre ou pelo  menos não em  escala significativa.

Muito mais frequentemente, a luta não violenta opera mudando a situação de  conflito e a sociedade de  modo que os adversários simplesmente não possam fazer como eles querem. É essa mudança que produz os outros três mecanismos: acomodação, coerção não violenta, e desintegração. Qual destes ocorre depende do grau em  que as relações de poder absoluto e relativo são deslocadas em  favor dos democratas.

Se  os problemas não são os fundamentais, as demandas da oposição em  uma campanha limitada não são consideradas ameaçadoras e o conflito de  forças alterou as relações de poder em  algum grau, o conflito imediato pode ser encerrado através de  um acordo, uma divisão da diferenças ou um compromisso. Este mecanismo é chamado de  acomodação. Muitas greves são resolvidas dessa maneira, por exemplo, com ambos os lados alcançando alguns dos seus objetivos, mas não conseguindo tudo o que queria. Um governo pode perceber que este tipo de  solução tem alguns benefícios positivos, tais como diminuir a tensão, criar uma sensação de  "justiça", ou polir a imagem internacional do regime. É importante, portanto, que grande cuidado seja tomado na seleção das questões sobre as quais um acordo por acomodação seja aceitável. A luta para derrubar uma ditadura não é um deles.

A luta não violenta pode ser muito mais poderosa do que o indicado pelos mecanismos de conversão ou de  acomodação. Não  cooperação e desafio em  massa podem, assim, mudar situações sociais e políticas, especialmente as relações de  poder, em  que a capacidade dos ditadores de  controlar os  processos econômicos, sociais e políticos de  governo e a sociedade é de  fato retirada. As forças militares dos adversários podem se tornar tão pouco confiáveis que elas simplesmente não mais obedecem às ordens de  reprimir os resistentes. Embora os líderes dos oponentes permaneçam em  seus cargos, e se aferrem a seus objetivos iniciais, sua capacidade de  agir eficientemente lhes foi tirada. Isso é chamado de  coerção não  violenta .

Em  algumas situações extremas, as condições de  produção de  coerção não violenta são levadas ainda mais longe. A liderança dos adversários, de  fato, perde toda a capacidade de agir e sua própria estrutura de  poder desmorona. A autodireção dos resistentes, não cooperação e desafio tornam-se tão completas que agora falta aos adversários até mesmo um simulacro de  controle sobre eles. A burocracia do adversário recusa-se a obedecer à sua própria liderança. As tropas do adversário e polícia se amotinam. Os habituais apoiadores do adversário ou a população repudiam sua antiga liderança, negando que eles tenham qualquer direito de  governar. Daí, seu apoio e obediência antigos desaparecem. O quarto mecanismo de  mudança, a desintegração do sistema dos oponentes é tão completa que nem sequer têm energia suficiente para se render. O regime simplesmente se estilhaça.

No planejamento de  estratégias de  libertação, esses quatro mecanismos devem ser mantidos em  mente. Eles, às vezes, operam essencialmente por acaso. Mas, a seleção de um ou mais desses como o mecanismo destinado a efetuar mudanças em  um conflito, tornará possível formular estratégias específicas e mutuamente reforçadoras. Qual mecanismo (ou mecanismos) selecionar dependerá de  inúmeros fatores, incluindo o poder absoluto e relativo dos grupos rivais, e as atitudes e objetivos do grupo de  luta não violenta.

Efeitos democratizantes do desafio político

Em  contraste com os efeitos da centralização de  sanções violenta, o uso de  técnica de luta não violenta contribui para a democratização da sociedade política de  diversas maneiras.

Uma parte do efeito democratizante é negativa. Ou seja, em  contraste com meios militares, esta técnica não fornece um meio de  repressão sob o comando de  uma elite dominante que pode se voltar contra a população para estabelecer ou manter uma ditadura. Líderes de  um movimento de  desafio político podem influenciar e aplicar pressão sobre seus seguidores, mas eles não podem prendê-los ou executá-los quando eles discordarem ou escolher outros líderes.

Outra parte do efeito democratizante é positiva. Ou seja, a luta não violenta oferece à população os meios de  resistência que podem ser utilizados para alcançar e defender sua liberdade contra os ditadores existentes ou futuros. Abaixo estão alguns dos efeitos positivos da democratização que a luta não violenta pode ter:


  • Experiência na aplicação de  luta não violenta pode resultar em  a população ser mais autoconfiante em  desafiar as ameaças do regime e a capacidade para repressão violenta.
  • A luta não violenta fornece os  meios de  desafio não cooperativo pelos quais a população pode resistir a controles antidemocráticos sobre eles por qualquer grupo ditatorial.
  • A luta não violenta pode ser usada para afirmar a prática das liberdades democráticas, como a liberdade de  expressão, liberdade de  imprensa, organizações independentes liberdade de  reunião diante de  controles repressivos.
  • A luta não violenta contribui fortemente para a sobrevivência, renascimento e fortalecimento dos grupos independentes e instituições da sociedade, conforme discutido anteriormente. Estes são importantes para a democracia devido à sua capacidade de  mobilizar a capacidade de  poder da população, e impor limites ao poder efetivo de  qualquer aspirante a ditador.
  • A luta não violenta fornece meios pelos quais a população pode exercer poder contra polícia repressiva e ação militar por um governo ditatorial.
  • A luta não violenta fornece métodos pelos quais a população e as instituições independentes podem, no  interesse da democracia, restringir ou cortar as fontes de  poder para a elite dominante, ameaçando assim a sua capacidade para continuar a sua dominação.

Complexidade da luta não violenta

Como vimos a partir desta discussão, a luta não violenta é uma técnica complexa de  ação social, envolvendo uma multiplicidade de  métodos, uma série de  mecanismos de mudança, e requisitos específicos de  comportamento. Para ser eficiente, especialmente contra uma ditadura, o desafio político exige  um planejamento e preparação cuidadosa. Os interessados em  participar precisarão entender o que lhes é exigido. Recursos precisarão ter sido disponibilizados. E os estrategistas precisarão ter analisado como a luta não violenta pode ser aplicada mais eficazmente. Agora, voltamos nossa atenção para este último elemento crucial: a necessidade de  planejamento estratégico. 



VI   -   A NECESSIDADE DE  PLANEAMENTO ESTRATÉGICO

As campanhas de  desafio político contra as ditaduras pode começar em  uma variedade de maneiras. No passado, essas lutas quase sempre não eram planejada e eram essencialmente acidentais. Queixas específicas que provocaram ações iniciais no  passado variaram bastante, mas muitas vezes incluíram novas brutalidades, a prisão ou a morte de uma pessoa altamente considerado, uma nova política ou ordem repressiva, escassez de alimentos, desrespeito a crenças religiosas, ou um aniversário de  um evento importante relacionado. Às vezes, um ato em  particular da ditadura enraiveceu tanto o povo  que eles se lançaram em  ações sem ter a mínima ideia de  como o levante poderia terminar. Em  outros momentos, uma pessoa corajosa ou um pequeno grupo pode ter agido de  modo a despertar apoio. A queixa específica pode ser reconhecida pelos outros como semelhante a injustiças que haviam experimentado e, eles também, podem assim juntar-se à luta. Às vezes, um apelo específico à resistência de  um pequeno grupo ou indivíduo pode encontrar uma resposta inesperadamente grande.

Embora a espontaneidade tenha algumas qualidades positivas, com frequência ela  tem inconvenientes. Frequentemente, os resistentes democráticos não previram as brutalidades da ditadura, de  modo que eles sofreram gravemente e a resistência desmoronou. Às vezes, a falta de  planejamento dos democratas deixou decisões cruciais ao  acaso, com resultados desastrosos. Mesmo quando o sistema opressor foi derrubado, a falta de  planejamento sobre como lidar com a transição para um regime democrático contribuiu para o surgimento de  uma nova ditadura.

Planejamento realista

No futuro, ação popular não planejada, sem dúvida, desempenhará papéis importantes nos levantes contra as ditaduras. Mas, agora é possível calcular os meios mais eficazes para derrubar uma ditadura, avaliar quando a situação política e humor populares estão maduros, e escolher a forma de  iniciar uma campanha. É necessário pensamento muito cuidadoso com  base em  uma avaliação realista da situação e as capacidades da população a fim de  selecionar os meios eficazes para conseguir a liberdade sob tais circunstâncias.

Se  alguém deseja realizar alguma coisa, é sábio planejar como fazê-lo. Quanto  mais importante o objetivo, ou a mais graves as consequências da falha, mais importante se torna o planejamento. O planejamento estratégico aumenta a probabilidade de  que todos os recursos disponíveis serão mobilizados e empregados de  forma mais eficaz. Isto é especialmente verdadeiro para um movimento democrático - o que tem recursos materiais limitados e cujos adeptos estarão em  perigo - que está tentando derrubar uma ditadura poderosa. Em  contraste, a ditadura em  geral terá acesso a vastos recursos materiais, força de  organização e capacidade de  cometer atrocidades.

"Planejar uma estratégia" aqui significa calcular um curso de  ação que tornará mais provável ir da presente situação até a futura situação desejada. Em  termos dessa discussão, significa de  uma ditadura para um sistema democrático futuro. Um  plano para atingir esse objetivo, normalmente consiste em  uma série progressiva de  campanhas e outras atividades organizadas, destinadas a fortalecer a população e a sociedade oprimida e enfraquecer a ditadura. Observe-se aqui que o objetivo não é simplesmente destruir a atual ditadura, mas estabelecer um sistema democrático. Uma excelente estratégia que limite seu objetivo a destruir a ditadura atualmente no  poder corre grande risco de  produzir outro tirano. 

Obstáculos ao planejamento

Alguns expoentes da liberdade em  diferentes partes do mundo não trazem sua capacidade total para se aplicar ao  problema de  como conseguir a libertação. Só raramente esses defensores reconhecem plenamente a extrema importância de  um planejamento estratégico cuidadoso antes de  agir. Por conseguinte, isso quase nunca é feito.

Por que é que as pessoas que têm a visão de  trazer a liberdade política ao  seu povo deveria tão raramente preparar um plano estratégico global para alcançar este objetivo? Infelizmente, muitas vezes a maioria das pessoas em  grupos de  oposição democrática não entende a necessidade de  planejamento estratégico, ou não está acostumada ou treinada a pensar estrategicamente. Esta é uma tarefa difícil. Constantemente perseguidos pela ditadura e oprimidos por responsabilidades imediatas, os líderes da resistência muitas vezes não têm a segurança ou o tempo para desenvolver habilidades de  pensamento estratégico.

Em  vez disso, é um padrão comum simplesmente reagir às iniciativas da ditadura. A oposição está, assim, sempre na defensiva, procurando manter as liberdades limitadas ou os bastiões da liberdade, na melhor das hipóteses retardando o avanço dos controles ditatoriais ou  causando certos problemas para as novas políticas do regime.

Alguns indivíduos e grupos, é claro, podem não ver  a necessidade de  amplo planejamento de  longo prazo de  um movimento de  libertação. Em  vez disso, podem ingenuamente pensar que, se eles simplesmente esposam seu objetivo fortemente, firmemente, e por tempo suficiente, ele  de  alguma forma passará. Outros presumem que, se eles simplesmente viverem e testemunharem de  acordo com seus princípios e ideais diante das dificuldades, estarão fazendo todo o possível para implementá-los. O casamento de metas humanas e lealdade com os ideais é admirável, mas é manifestamente insuficiente para acabar com a ditadura e conseguir a liberdade.

Outros opositores da ditadura podem ingenuamente pensar que se usam violência suficiente, a liberdade virá. Mas, conforme observado anteriormente, a violência não é garantia de  sucesso. Ao invés de  libertação, ela pode levar à derrota, tragédia em  massa, ou ambos. Na maioria das situações, a ditadura está mais bem equipada para a luta violenta, e as realidades militares raramente, se é que alguma vez acontece, favorecem os democratas.

Há também os ativistas que baseiam suas ações sobre o que "sentem" que devem fazer. Essas abordagens são, no  entanto, não só  egocêntricas, mas elas não oferecem orientação para o desenvolvimento de  uma grande estratégia de  libertação.

Ação  baseada em  uma "brilhante ideia" que alguém teve também é limitada. O que é necessário, ao  invés, é ação com base em  cálculos cuidadosos dos "próximos passos" necessários para derrubar a ditadura. Sem análise estratégica, os líderes da resistência muitas vezes não sabemos qual deve  ser esse "próximo passo", porque eles não pensaram bem sobre as etapas sucessivas específicas necessárias para alcançar a vitória. Criatividade e ideias brilhantes são muito importantes, mas elas precisam ser utilizadas para fazer avançar a situação estratégica das forças democráticas.

Absolutamente consciente da multiplicidade de  ações que poderiam ser realizadas contra a ditadura e incapazes de  determinar por onde começar, algumas pessoas aconselham "Fazer tudo simultaneamente." Isso poderia ser útil, mas, claro, é impossível, especialmente para os movimentos relativamente fracos. Além  disso, essa abordagem não oferece qualquer orientação sobre onde começar, onde concentrar esforços, e como usar recursos muitas vezes limitados. 

Outras pessoas e grupos podem ver  a necessidade de  um planejamento, mas só são capazes de  pensar em  curto prazo ou em  bases táticas. Eles não podem ver  se o planejamento de longo prazo é necessário ou possível. Eles, às vezes, podem ser incapazes de  pensar e analisar em  termos estratégicos, permitindo-se ser repetidamente distraídos por questões relativamente pequenas, muitas vezes respondendo às ações do adversário, ao  invés de tomar a iniciativa para a resistência democrática. Dedicando tanta energia a atividades de curto prazo, esses líderes muitas vezes não conseguem explorar vários cursos de  ação alternativos que poderiam orientar os esforços globais para que o objetivo seja constantemente abordado.

Também é bem possível que alguns movimentos democráticos não planejem uma estratégia global para derrubar a ditadura, concentrando-se apenas em  questões imediatas, por outra razão. No fundo, eles não acreditam realmente que a ditadura pode ser destruída por seus próprios esforços. Portanto, planejar como fazê-lo é considerado um desperdício de  tempo romântico ou um exercício de  futilidade. Pessoas que lutam pela liberdade contra ditaduras brutais estabelecidas são frequentemente confrontados por um poder militar e de  polícia tão imenso que parece que os ditadores podem conseguir tudo o que quiserem. Na falta de  esperança real, essas pessoas, no  entanto, desafiarão a ditadura por razões de  integridade e talvez, história. Embora eles nunca admitirão, talvez nunca conscientemente reconhecerão que suas ações lhes parecem impossíveis Assim, para eles, o planejamento estratégico abrangente de  longo prazo não tem mérito.

O resultado de  tais falhas de  planejamento estratégico é, muitas vezes, drástico: a força é dissipada, as ações são ineficazes, a energia é desperdiçada em  questões de  menor importância, as vantagens não são utilizadas, e os  sacrifícios são em  vão.  Se  os democratas não planejarem estrategicamente, é provável que eles não consigam atingir os seus objetivos. Uma mistura estranha de  atividades mal planejadas não moverá à frente uma resistência mais significativa. Em  vez disso, é mais provável que permita à ditadura aumentar seus controles e poder.

Infelizmente, devido ao  fato  de  que amplos planos estratégicos de  libertação são raramente desenvolvidos, as ditaduras  são muito mais duráveis do que elas são de  fato. Eles sobrevivem por anos ou  décadas a mais do que precisaria ser o caso.

Quatro termos importantes em planejamento estratégico

A fim de  ajudar-nos a pensar estrategicamente, a clareza sobre os significados de  quatro termos básicos é importante.

Grande estratégia é o conceito que serve para coordenar e dirigir o uso de  todos os recursos adequados e disponíveis (econômicos, humanos, morais, políticos, organizacionais, etc) de um grupo que busca atingir seus objetivos em  um conflito.

A grande estratégia, dirigindo a atenção primária sobre os objetivos e recursos do grupo no conflito, determina a técnica de  ação mais adequada (como a guerra militar convencional ou a luta não violenta) a ser empregada no conflito. No planejamento de uma grande estratégia, os líderes da resistência devem avaliar e planejar quais pressões e influências devem ser exercidas sobre os  adversários. Além  disso, a grande estratégia incluirá decisões sobre as condições adequadas e o momento certo em  que campanhas de resistência inicial e subsequentes serão lançadas.

A grande estratégia define a estrutura básica para a seleção de  estratégias mais limitadas para travar a luta. A grande estratégia também determina a atribuição de  tarefas gerais a determinados grupos e a distribuição dos recursos a eles para usar na luta. 


Estratégia é a concepção de  qual a melhor forma para atingir determinados objetivos em um conflito, operando no  âmbito da grande estratégia escolhida. A estratégia está preocupada se, quando e como lutar, bem como a forma de  alcançar a máxima eficácia na luta para determinados fins. A estratégia tem sido comparada ao  conceito do artista, enquanto um plano estratégico é a planta do arquiteto. 12

A estratégia também pode incluir esforços para desenvolver uma situação estratégica que seja tão vantajosa que os adversários serão capazes de  prever que o conflito aberto é susceptível de  levar a sua derrota certa e, portanto, capitular sem luta aberta. Ou, se não, a situação estratégica melhorada tornará certo o sucesso dos adversários em  luta. A estratégia envolve também como agir para fazer bom uso de  sucessos quando conseguidos.

Aplicada ao  curso da luta em  si,  o plano estratégico é a ideia básica de  como deverá se desenvolver uma campanha; e como os seus componentes separados devem ser montados para contribuir de  maneira mais vantajosa para atingir seus objetivos. Ela envolve a implantação hábil de  grupos particulares de  ação especial nas operações menores. Planejar para uma estratégia sensata deve  levar em  consideração os requisitos para o sucesso na operação da técnica escolhida de  luta. Diferentes técnicas terão exigências diferentes. Naturalmente, apenas cumprir "exigências" não é suficiente para garantir o sucesso. Outros fatores também podem ser necessários.

Ao elaborar estratégias, os democratas devem definir claramente os  seus objetivos, e determinar como medir a eficácia dos esforços para alcançá-los. Esta definição e análise permitem ao estrategista identificar os requisitos específicos para garantir cada objetivo selecionado. Essa necessidade de  clareza e definição aplica-se também ao  planejamento tático.

Táticas e métodos de  ação são utilizados para implementar a estratégia. As táticas estão relacionadas com o uso hábil das forças para o melhor proveito em  uma situação limitada. A tática é uma ação limitada, utilizada para atingir um objetivo restrito. A escolha das táticas é regida pela concepção em  uma fase restrita de  um conflito da melhor forma de  utilizar os meios de  luta para implementar a estratégia. Para ser mais eficaz, as táticas e métodos devem ser escolhidos e aplicados com uma atenção constante à consecução dos objetivos estratégicos. Ganhos táticos que não reforçam a consecução dos objetivos estratégicos podem, no  final, acabar por ser desperdício de  energia.

Uma tática está, portanto, preocupada com um curso de  ação limitado que se encaixa dentro da estratégia mais ampla, assim como uma estratégia se encaixa dentro da grande estratégia. As táticas estão sempre preocupadas com o combate, enquanto que a estratégia inclui considerações mais amplas. Uma tática em  particular só  pode ser compreendida como parte da estratégia global de  uma batalha ou campanha. As táticas são aplicadas aos períodos mais curtos do que as estratégias, ou em  áreas menores (geográfica, institucional, etc), ou por um número mais limitado de  pessoas, ou para objetivos mais limitados. Na ação não violenta, a distinção entre um objetivo tático e um objetivo estratégico pode ser parcialmente indicado pelo  fato de  o objetivo escolhido da ação ser mais ou  menos importante.

Engajamentos táticos ofensivos são selecionados para apoiar a realização dos objetivos estratégicos. Engajamentos táticos são as ferramentas do estrategista na criação de condições favoráveis para o lançamento de  ataques decisivos contra um oponente. É muito importante, portanto, que aqueles a quem são atribuídas responsabilidades de planejar e executar operações táticas sejam hábeis na avaliação da situação, e selecionem os métodos mais apropriados para isso. Aqueles de  quem se espera participar devem ser treinados no uso da técnica escolhida e dos métodos específicos.
__________
12 Robert Helvey, comunicação pessoal, 15  de  agosto de  1993. 


Método refere-se às armas específicas ou meios de  ação. Dentro da técnica de  luta não violenta, este incluem dezenas de  formas particulares de  ação (tais como os muitos tipos de greves, boicotes, não-cooperação política, e assim por diante), citado no  Capítulo Cinco. (Veja  também o apêndice).

O desenvolvimento de  um plano estratégico eficaz e responsável para uma luta não violenta depende da formulação e seleção cuidadosas da grande estratégia, das estratégias, das táticas e dos métodos.


A principal lição desta discussão é que o uso calculado do intelecto é necessário no cuidado planejamento estratégico para a libertação de  uma ditadura. Falha em  planejar inteligentemente pode contribuir para desastres, enquanto que o uso eficaz da capacidade intelectual pode traçar uma rota estratégica que criteriosamente utilizará os recursos disponíveis para mover a sociedade em  direção à meta da liberdade e da democracia.




VII -  ESTRATÉGIA DE  PLANEAMENTO


Para aumentar as chances de  sucesso, os líderes da resistência precisarão formular um plano abrangente de  ação capaz de  fortalecer as pessoas que sofrem, enfraquecendo e destruindo a ditadura e construindo uma democracia duradoura. Para realizar tal plano de ação, uma avaliação cuidadosa da situação e das opções para uma ação efetiva é necessária. Fora tal análise cuidadosa, tanto uma grande estratégia quanto as estratégias específicas de campanha para conseguir a liberdade podem ser desenvolvidas. Embora relacionados, o desenvolvimento da grande estratégia e das estratégias de  campanha são dois processos separados. Somente após a grande estratégia ter sido desenvolvida, as estratégias específicas de  campanha específica podem ser plenamente desenvolvidas. As estratégias de campanha precisarão ser concebido para atingir e reforçar os  grandes objetivos estratégicos.

O desenvolvimento de  estratégia de  resistência exige  atenção a muitas questões e tarefas. Aqui  identificaremos alguns dos fatores importantes que precisam ser considerados, tanto em  nível de  grande estratégia quanto em  nível de  estratégia de  campanha. Todo  o planejamento estratégico, entretanto, exige  que os  planejadores da resistência tenham uma compreensão profunda da situação de  conflito inteira, incluindo a atenção a fatores físicos, históricos, governamentais, militares, culturais, sociais, políticos, psicológicos, econômicos e internacionais. As estratégias só podem ser desenvolvidas no  contexto da luta particular e seus antecedentes.

De primordial importância, os líderes democráticos e planejadores estratégicos devem avaliar os objetivos e importância da causa. Os objetivos valem uma grande luta, e por quê? É fundamental determinar o verdadeiro objetivo da luta. Nós argumentamos  aqui que a derrubada da ditadura ou remoção dos ditadores atuais não é suficiente. O objetivo nesses conflitos tem de  ser o estabelecimento de  uma sociedade livre, com um sistema democrático de  governo. Clareza sobre este ponto influenciará o desenvolvimento de  uma grande estratégia e das estratégias específicas que se seguem.

Particularmente, os estrategistas terão que responder a muitas questões fundamentais, tais como:

Quais são os principais obstáculos para se alcançar a liberdade?


  • Quais os  fatores que facilitarão a obtenção da liberdade?
  • Quais são os principais pontos fortes da ditadura?
  • Quais são os vários pontos fracos da ditadura?
  • Em  que medida são vulneráveis as fontes de  poder para a ditadura?
  • Quais são os pontos fortes das forças democráticas e da população em  geral?
  • Quais são os pontos fracos das forças democráticas e como eles podem ser corrigidos?
  • Qual é o status de  terceiros, não diretamente envolvidos no  conflito, quem já ajuda ou pode ajudar, tanto a ditadura quanto o movimento democrático, e em caso afirmativo, de  que forma? 

Escolha de meios

Ao nível da grande estratégica, os planejadores precisam escolher os principais meios de luta a serem empregados no  conflito iminente. Os méritos e limitações das diferentes técnicas alternativas de  luta terão de  ser avaliados, tais como guerra militar convencional, guerrilha, desafio político e outros.

Ao fazer esta escolha, os estrategistas precisarão considerar questões como as seguintes: O tipo escolhido de  luta está dentro das capacidades dos democratas? A técnica escolhida utiliza os pontos fortes da população dominada? Esta técnica visa os  pontos fracos da ditadura, ou ela ataca os seus pontos fortes? Os meios ajudam os democratas a se tornar mais autossuficientes, ou eles exigem dependência de  terceiros ou fornecedores externos? Qual é o registro do uso dos meios escolhidos na derrubada de  ditaduras? Eles
aumentam ou limitam o número de  vítimas e destruição que podem ocorrer no  conflito iminente? Presumindo-se o sucesso em  acabar com a ditadura, qual seria o efeito dos meios escolhidos sobre o tipo de  governo que surgiria a partir da luta? Os tipos de  ação definidos como contraproducentes terão de  ser excluídos da grande estratégia desenvolvida.

Nos capítulos anteriores, argumentamos que o desafio político oferece significativas vantagens comparado a outras técnicas de  luta. Os estrategistas precisarão analisar a sua situação de  conflito em  particular, e determinar se o desafio político fornece respostas afirmativas às perguntas acima.

Planeando para a democracia

É preciso lembrar que contra uma ditadura o objetivo da grande estratégia não é simplesmente derrubar ditadores, mas instalar um sistema democrático e tornar impossível a ascensão de  uma nova ditadura. Para realizar estes objetivos, os meios escolhidos de  luta terão de  contribuir para uma mudança na distribuição de  poder efetivo na sociedade. Sob  a ditadura, a população e as instituições da sociedade civil têm sido muito fracasso, e o governo forte demais. Sem uma mudança nesse desequilíbrio, um novo conjunto de governantes podem, se assim o desejarem, ser tão ditatoriais quanto os antigos. A "revolução palaciana" ou um golpe de  Estado, portanto, não é bem-vinda.

O desafio político contribui para uma distribuição mais equitativa de  poder efetivo, através da mobilização da sociedade contra a ditadura, conforme foi discutido no Capítulo Cinco. Esse processo ocorre de  várias maneiras. O desenvolvimento de  uma capacidade de  luta não violenta significa que a capacidade da ditadura para a repressão violenta já não produz tão facilmente a intimidação e submissão entre a população. A população terá à sua disposição meios poderosos para contrariar e às vezes bloquear o exercício do poder dos ditadores. Além  disso, a mobilização do poder popular através de desafio político fortalecerá as instituições independentes da sociedade. A experiência de ter uma vez exercido efetivamente o poder não é rapidamente esquecida. O conhecimento e a habilidade adquiridos com a luta tornarão menos provável que a população seja facilmente dominada pelos aspirantes a ditadores. Esta mudança nas relações de  poder, no  limite, acabaria por tornar muito mais provável o estabelecimento de  uma sociedade democrática durável.

Ajuda externa

Como parte da preparação de  uma grande estratégia, é necessário avaliar quais serão os papéis relativos da resistência interna e das pressões externas para desintegrar a ditadura. Nesta análise, argumentamos que a principal força da luta deve  ser suportada a partir do interior do próprio país. Na medida em  que a assistência internacional vem, ela será estimulada pela luta interna. 

Como um modesto suplemento, esforços podem ser feitos para mobilizar a opinião pública mundial contra a ditadura, por razões humanitárias, morais e religiosas. Esforços podem ser feitos para obter sanções diplomáticas, políticas e econômicas por governos e organizações internacionais contra a ditadura. Estes podem assumir a forma de  embargos econômicos e militares de  armas; redução nos níveis de  reconhecimento diplomático ou o rompimento das relações diplomáticas; proibição de  ajuda econômica e à proibição de  investimentos no país ditatorial; expulsão do governo ditatorial de  várias organizações internacionais e dos órgãos das Nações Unidas. Além  disso, assistência internacional, tal como a prestação de apoio financeiro e de  comunicações também podem ser fornecidos diretamente às forças democráticas.

Formulando uma grande estratégia

Após uma avaliação da situação, a escolha dos meios e a determinação do papel da ajuda externa, os planejadores da grande estratégia deverão esboçar em  grandes linhas a forma como o conflito poderia ser mais bem conduzido. Este plano amplo abrangeria do presente até o futuro da libertação e da instituição de  um sistema democrático.

Na formulação de  uma grande estratégia, esses planejadores precisarão se fazer uma série de  perguntas. As perguntas seguintes colocam (de uma forma mais específica do que anteriormente) os tipos de  considerações necessárias na concepção de  uma grande estratégia para a luta de  desafio político:

Como deveria a luta de  longo prazo melhor começar? Como pode a população oprimida reunir suficiente autoconfiança e força para agir e desafiar a ditadura, mesmo que, inicialmente, de  forma limitada? Como poderia ser aumentada a capacidade da população de  aplicar a não cooperação e desafio com o tempo e a experiência? Quais poderiam ser os objetivos de  uma série de  campanhas limitadas para recuperar o controle democrático sobre a sociedade e limitar a ditadura?

Existem instituições independentes que sobreviveram à ditadura que poderiam ser usadas na luta para estabelecer a liberdade? Quais instituições da sociedade podem ser recuperadas do controlar dos ditadores, ou quais instituições precisam ser recém-criadas pelos democratas para atender às suas necessidades e estabelecer as esferas da democracia, mesmo enquanto a ditadura continua?

Como pode ser desenvolvida força organizacional na resistência? Como os participantes podem ser treinados? Quais recursos (finanças, equipamentos, etc) seriam necessários ao longo da luta? Que tipos de  simbolismo pode ser mais eficazes na mobilização da população?

Com que tipos de  ação e em  que estágios podem as fontes de  poder dos ditadores serem progressivamente enfraquecidas e divididas? Como pode a população resistente persistir simultaneamente em  seu desafio e também manter a necessária disciplina não violenta? Como pode a sociedade continuar a satisfazer suas necessidades básicas durante o curso da luta? Como pode a ordem social ser mantida no meio do conflito? Conforme se aproxima a vitória, como pode a resistência democrática continuar a construir a base institucional da sociedade pós-ditadura para tornar a transição tão suave quanto possível?

Deve  ser lembrado que não existe nem pode ser criada uma fórmula única para planejar uma estratégia para cada movimento de  libertação contra as ditaduras. Cada luta para derrubar uma ditadura e estabelecer um sistema democrático será um pouco diferente. Não  há duas situações exatamente iguais; cada ditadura terá algumas características individuais, e as capacidades da população em  busca de  liberdade podem variar. Dos planejadores da grande estratégia para a luta por desafio político serão exigidos uma profunda compreensão não só  da sua situação de  conflito específica, mas também dos meios de  luta escolhidos. 13

Quando a grande estratégia da luta tiver sido cuidadosamente planejada, há razões sólidas para torná-la amplamente conhecida. O grande número de  pessoas necessárias para participação podem estar mais dispostas e capazes de  agir se elas compreenderem a concepção geral, bem como instruções específicas. Este conhecimento pode potencialmente ter um efeito muito positivo sobre o seu moral, sua vontade de  participar e agir adequadamente. As linhas gerais da grande estratégia chegariam ao  conhecimento dos ditadores em  qualquer caso e o conhecimento de  suas características poderia, potencialmente, levá-los a serem menos brutais em  sua repressão, sabendo que isso poderia se voltar politicamente contra eles próprios. A compreensão das características especiais da grande estratégia poderia, potencialmente, contribuir também para a dissensão e deserções no próprio campo dos ditadores.

Uma vez que um grande plano estratégico para derrubar a ditadura e estabelecer um sistema democrático tenha sido adotado, é importante que os  grupos pró-democracia persistam em  sua aplicação. Só em  circunstâncias muito raras a luta deve  afastar-se da grande estratégia inicial. Quando há provas abundantes de  que a grande estratégia escolhida está errada, ou que as circunstâncias da luta mudaram, os planejadores podem precisar alterar a grande estratégia. Mesmo assim, isso deve  ser feito somente após uma reavaliação básica e um novo  e mais adequado grande plano estratégico ter sido elaborado e aprovado.

Planejando estratégias de campanha

Não  importando quanto possa ser sábia e promissora a grande estratégia desenvolvida para acabar com a ditadura e instaurar a democracia, uma grande estratégia implementa a si própria. Estratégias particulares precisarão ser desenvolvidas para orientar a campanhas mais importantes destinadas a minar o poder dos ditadores. Estas estratégias, por sua vez, incorporarão e orientarão uma série de  compromissos táticos que terão como objetivo aplicar golpes decisivos contra o regime dos ditadores. As táticas e os  métodos específicos de  ação devem ser escolhidos com cuidado, para que eles contribuam para atingir os objetivos de  cada estratégia específica. A discussão aqui se centra exclusivamente no  nível da estratégia.

Dos estrategistas planejando as campanhas mais importantes será exigido, como daqueles que planejaram a grande estratégia, um conhecimento aprofundado da natureza e dos modos de  operação de  sua técnica de  luta escolhida. Assim como os oficiais militares precisam entender as estruturas de  força, táticas, logística, munições, os efeitos da geografia, e outros, a fim de  traçar a estratégia militar, os planejadores do desafio político devem compreender a natureza e os princípios estratégicos de  luta não violenta. Mesmo assim, contudo, o conhecimento da luta não violenta, a atenção às recomendações neste ensaio e as respostas às questões aqui colocadas não produzirão, eles mesmos, as estratégias. A formulação de  estratégias para a luta ainda exige  uma criatividade informada.
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13 Os  estudos completos recomentados Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action of the Nonviolent Action (Boston, Massachusetts: Porter Sargent, 1973) e Peter Ackerman e Christopher Kruegler, Strategic Nonviolent Conflict, (Westport, Connecticut: Praeger, 1994). Consulte também Gene Sharp, Waging Nonviolent Struggle: Twentieth Century Practice and Twenty-First Century Potential. Boston: Porter Sargent, 2005. 


No planejamento das estratégias para as campanhas específicas de  resistência seletiva e para o desenvolvimento no  longo prazo da luta de  libertação, os estrategistas do desafio político precisarão considerar várias questões e problemas. Os seguintes estão entre estes:



  • Determinação dos objetivos específicos da campanha e sua contribuição para a execução da grande estratégia.
  • Consideração dos métodos específicos, ou armas políticas que podem ser mais bem utilizados para implementar as estratégias escolhidas. Dentro de  cada plano geral para uma campanha estratégica em  particular, será necessário determinar quais planos menores e táticos, e quais métodos de  ação específicos devem ser utilizados para impor restrições e pressões contra as fontes de  poder da ditadura. Deve  ser lembrado que a realização dos objetivos mais importantes virá como resultado de  medidas menores especificas cuidadosamente escolhidas e implementadas.
  • Determinação se, ou como, as questões econômicas deve  estar relacionadas com a luta global essencialmente  política. Se  as questões econômicas devem ser proeminentes na luta, será preciso cuidado para que os problemas econômicos possam realmente ser sanados após o término da ditadura. Caso contrário, a desilusão e o descontentamento pode se instalar, se soluções rápidas não são providenciadas durante o período de transição para uma sociedade democrática. Essa desilusão poderia facilitar o surgimento de  forças ditatoriais prometendo um fim  aos problemas econômicos.
  • Determinação com antecedência de  que tipo de  estrutura de  liderança e sistema de comunicações funcionará melhor para iniciar a luta de  resistência. Quais meios de tomada de  decisão e de  comunicação serão possíveis durante o curso da luta para continuar a dar orientação aos resistentes e à população em  geral?
  • Comunicação de  notícia de  resistência à população em  geral, às forças dos ditadores e à imprensa internacional. Alegações e relatórios devem sempre ser rigorosamente factuais. Exageros e alegações infundadas minarão a credibilidade da resistência.
  • Planos para atividades sociais, educacionais, econômicas e políticas autossuficientes e construtivas para atender às necessidades de  próprio povo durante o conflito iminente. Tais projetos podem ser conduzidos por pessoas não envolvidas diretamente nas atividades da resistência.
  • Determinação do  tipo de  ajuda externa desejável em  apoio à campanha específica ou à luta geral de  libertação. Como pode a ajuda externa ser mais bem mobilizada e utilizada sem tornar a luta interna dependente de  fatores externos incertos? Será necessário prestar atenção a quais grupos externos mais provavelmente e mais adequadamente ajudarão, tais como organizações não governamentais (movimentos sociais, grupos religiosos ou  políticos, sindicatos, etc.), governos e /ou as Nações Unidas e os seus diferentes órgãos. 
Além  disso, os planejadores de  resistência precisarão tomar medidas para preservar a ordem e atender às demandas sociais por suas próprias forças durante a resistência em massa contra os controles ditatoriais. Isto não só  criará estruturas democráticas alternativas e independentes e atenderá às necessidades reais, mas também reduzirá a credibilidade de  qualquer alegação de  que repressão violenta seja necessária para deter a desordem e a anarquia.

Disseminando a ideia da não cooperação

Para o desafio político bem-sucedido contra uma ditadura, é essencial que a população entenda a ideia da não cooperação. Conforme ilustrado pela história do "Mestre dos Macacos" (ver Capítulo III), a ideia básica é simples: se um número suficiente de subordinados se recusa a continuar a sua cooperação por tempo suficiente, apesar da repressão, o sistema opressivo será enfraquecido e, finalmente, entrará em  colapso.

As pessoas que vivem sob a ditadura já podem estar familiarizadas com esse conceito a partir de  diversas fontes. Mesmo assim, as forças democráticas deveriam deliberadamente difundir e popularizar a ideia da não cooperação. A história do  "Mestre dos Macacos" ou uma fábula semelhante poderá ser difundida por toda a sociedade. Tal história poderia ser facilmente entendida. Uma vez que o conceito geral de  não cooperação é apreendido, as pessoas serão capazes de  entender a relevância de  futuras chamadas à prática de  não cooperação com a ditadura. Eles também serão capazes por si sós de  improvisar uma miríade de  formas específicas de  não cooperação em  novas situações.

Apesar das dificuldades e perigos na tentativa de  comunicar ideias, notícias e instruções de resistência, enquanto vivem sob ditaduras, os democratas têm frequentemente provaram ser isso possível.

Mesmo sob o regime nazista e o comunista, foi possível para os resistentes se comunicar não só  com outros indivíduos, mas, mesmo com grandes audiências através da produção de  jornais clandestinos, folhetos, livros, e nos últimos anos via cassetes de  áudio e vídeo.

Com a vantagem de  um planejamento estratégico prévio, orientações gerais para a resistência podem ser preparadas e divulgadas. Estas podem indicar as questões e circunstâncias em  que a população deve  protestar e recusar-se a cooperar, e como isso deve  ser feito. Então, mesmo que a comunicação da liderança democrática sejam cortados, e instruções específicas não tenham sido emitidas ou  recebidas, a população saberá como agir em  certas questões importantes. Essas orientações também forneceriam um teste para identificar falsas "instruções de  resistência", emitidas pela polícia política destinadas a provocar ação de  descrédito.

Repressão e contramedidas

Os planejadores estratégicos terão de  avaliar as possíveis respostas e repressão, em especial o limite da violência da ditadura às ações da resistência democrática. Será necessário determinar a forma de  resistir, contra atacar ou evitar esse possível aumento da repressão, sem submissão. Taticamente, para ocasiões específicas, as advertências adequadas à população e os resistentes sobre a repressão esperado seriam necessários, de  modo que eles conheçam os riscos de  participação. Se  a repressão pode ser grave, os preparativos para a assistência médica aos resistentes feridos devem ser feitos.

Antecipando a repressão, os estrategistas devem considerar antecipadamente a utilização de  táticas e métodos que contribuam para alcançar o objetivo específico de  uma campanha, ou a libertação, mas que tornem a repressão brutal menos provável ou menos possível. Por exemplo, manifestações de  rua e desfiles contra as ditaduras extremas pode ser dramático, mas também apresentam o risco de  milhares de  manifestantes mortos. O alto custo para os manifestantes não pode, contudo, efetivamente aplicar mais pressão sobre a ditadura do que ocorreria se todo mundo ficasse em  casa, uma greve ou  atos em massa de  não cooperação de  funcionários públicos.

Se  tivesse sido proposto que a ação de  resistência provocativa arriscando muitas baixas seria necessário para uma finalidade estratégica, então se deve  considerar com muito cuidado os custos da proposta e os  possíveis ganhos. Será que a população e os resistentes provavelmente se comportarão de  uma forma disciplinada e não violenta durante o curso da luta? Eles podem resistir a provocações à violência? Os planejadores devem considerar quais medidas podem ser tomadas para manter a disciplina não violenta, e manter a resistência apesar de  brutalidades. Será que medidas, tais como promessas, declarações políticas, folhetos sobre disciplina, encarregados de manifestações e boicotes de  pessoas e grupos pró violência seriam possíveis e eficazes? Os líderes devem estar sempre alertas para a presença de  agentes provocadores, cuja missão será a de  incitar os manifestantes à violência.

Aderindo ao plano estratégico

Depois de  um bom plano estratégico está implantado, as forças democráticas não devem ser distraídos por pequenos movimentos dos ditadores que podem tentá-los a se afastar da grande estratégia e da estratégia para uma campanha específica, levando-os a concentrar as principais atividades sobre questões sem importância. Também as emoções do momento - talvez em  resposta às novas brutalidades da ditadura - não devem desviar a resistência democrática de  sua grande estratégia ou da estratégia de  campanha. As brutalidades pode ter sido perpetradas precisamente para provocar as forças democráticas a abandonar seu plano bem-definido e até mesmo cometer atos violentos, a fim  de  que os ditadores possam derrotá-las mais facilmente.


Enquanto a análise básica é considerada boa, a tarefa das forças pró democracia é avançar etapa por etapa. Naturalmente, mudanças nas táticas e objetivos intermédios ocorrerão e os bons líderes estarão sempre prontos para explorar oportunidades. Esses ajustes não devem ser confundidos com os objetivos da grande estratégia ou os objetivos da campanha específica. A cuidadosa implementação da grande estratégia escolhida e de estratégias para campanhas particulares contribuirá grandemente para o sucesso. 




VIII   -   APLICANDO  O DESAFIO POLÍTICO


Em  situações em  que a população se sente impotente e assustada é importante que as tarefas iniciais para o público sejam de  baixo risco, ações de  fortalecimento da confiança. Estes tipos de  ações - tais como o uso de  uma roupa em  uma forma incomum - pode registrar publicamente uma opinião divergente e proporcionar uma oportunidade ao público de  participar de  forma significativa nos atos de  dissidência. Em  outros casos, uma questão relativamente menos importante (na superfície) e apolítica (por exemplo, garantir um abastecimento de  água potável) pode ser transformada no  foco  de  ação do grupo. Os estrategistas devem escolher um tema cujo mérito será amplamente reconhecido e difícil  de  rejeitar. O sucesso em  tais campanhas limitada não só  poderia corrigir queixas específicas, mas também convencer a população que ela realmente tem o potencial de  poder.

A maioria das estratégias de  campanhas na luta de  longo prazo não deve  visar a queda completa imediata da ditadura, mas sim ganhar objetivos limitados. Nem  todas as campanhas exigem a participação de  todos os setores da população.

Ao contemplar uma série de  campanhas específicas para implementar a grande estratégia, os estrategistas do desafio devem considerar como as campanhas no  início, meio e perto da conclusão da luta de  longo prazo serão diferentes umas das outras.

Resistência seletiva

Nos estágios iniciais da luta, campanhas separadas, com diferentes objetivos específicos podem ser muito úteis. Tais campanhas seletivas podem seguir uma após a outra. Ocasionalmente, duas ou três podem se sobrepor no  tempo.

Ao planejar uma estratégia de  "resistência seletiva" é necessário identificar as questões ou queixas limitadas que simbolizam a opressão geral da ditadura. Tais questões podem ser os alvos adequados para a realização de  campanhas visando ganhar objetivos estratégicos intermediários no  âmbito da grande estratégia geral.

Estes objetivos estratégicos intermediários precisam ser alcançáveis pela capacidade atual ou projetada de  poder das forças democráticas. Isso ajuda a garantir uma série de vitórias, que são boas para o moral, e também contribuir para mudanças incrementais vantajosas nas relações de  poder para a luta de  longo prazo.

Estratégias de  resistência seletiva devem se concentrar principalmente sobre questões sociais, econômicas ou políticas específicas. Estas podem ser escolhidos de  forma a manter alguma parte do sistema social e político fora do controle dos ditadores; para recuperar o controle de  alguma parte atualmente controlada pelos ditadores; ou para negar aos ditadores um objetivo particular. Se  possível, a campanha de  resistência seletiva também deve  atacar um ou mais pontos fracos da ditadura, conforme já foi discutido. Dessa forma, os democratas podem fazer o maior impacto possível com a sua capacidade de  poder disponível.

Muito cedo, os estrategistas precisam planejar, pelo  menos, a estratégia para a primeira campanha. Quais são os seus objetivos limitados? Como eles ajudarão a realizar a grande estratégia escolhida? Se  possível, é sensato formular, pelo  menos, as linhas gerais das estratégias para uma segunda e possivelmente uma terceira campanha. Todas essas estratégias precisarão implementar a grande estratégia escolhida e operar dentro de  suas diretrizes gerais. 

Desafio simbólico

No início de  uma nova campanha para enfraquecer a ditadura, as primeiras ações, mais especificamente políticas pode ter escopo limitado. Elas devem ser projetadas ema parte para testar e influenciar o humor da população, e prepará-la para continuar a luta através da não cooperação e desafio político.

A ação inicial é susceptível de  assumir a forma de  protesto simbólico, ou pode ser um ato simbólico de  não cooperação limitada ou temporária. Se  o número de  pessoas dispostas a agir for pequeno,  então o ato inicial pode, por exemplo, envolver a colocação de  flores em um local de  importância simbólica. Por outro lado, se o número de  pessoas dispostas a agir é muito grande, então, uma parada de  cinco minutos de  todas as atividades ou alguns minutos de  silêncio podem ser usados. Em  outras situações, alguns indivíduos poderiam realizar uma greve de  fome, uma vigília em  um local de  importância simbólica, um breve boicote estudantil das aulas, ou um "sit-in" temporário em  um escritório importante. Sob uma ditadura, essas ações mais agressivas provavelmente enfrentariam uma dura repressão.

Certos atos simbólicos, tais como uma ocupação física em  frente ao  palácio do ditador ou da sede da polícia política pode envolver alto risco e, portanto, não são aconselháveis para o início de  uma campanha.

Ações iniciais de  protesto simbólico, às vezes despertaram a atenção nacional e internacional importante - como as manifestações de  rua em  massa na Birmânia em 1988, ou a ocupação por estudantes e greve de  fome  na Praça Tiananman em  Pequim, em  1989. O grande número de  baixas entre os  manifestantes em  ambos os  casos aponta para o grande cuidado que os estrategistas devem ter no  planejamento de  campanhas. Apesar de terem um tremendo impacto moral e psicológico, tais ações por si mesmas não são susceptíveis de  derrubar uma ditadura, pois elas permanecem em  grande parte simbólicas e não afetam a posição de  poder da ditadura.

Geralmente não é possível cortar a disponibilidade das fontes de  poder dos ditadores completa e rapidamente no  início de  uma luta. Isso exigiria praticamente que toda a população e quase todas as instituições da sociedade - que já haviam sido amplamente submissas - rejeitasse absolutamente o regime e, de  repente, desafiá-lo através de  não cooperação forte e em  massa. Isso ainda não ocorreu, e seria muito difícil  de  alcançar. Na maior parte dos casos, portanto, uma rápida campanha de  não cooperação plena e desafio é uma estratégia irreal para uma campanha precoce contra a ditadura.

Distribuindo a responsabilidade

Durante uma campanha de  resistência seletiva, o peso da luta é por algum tempo normalmente suportado por um setor ou mais da população. Em  uma campanha posterior com um objetivo diferente, o ônus da luta seria transferido para outros grupos populacionais. Por exemplo, os estudantes podem realizar greves sobre uma questão educacional; líderes religiosos e fiéis podem se concentrar na questão da liberdade religiosa; trabalhadores ferroviários podem meticulosamente obedecer às normas de segurança, de  modo a atrasar o sistema de  transporte ferroviário; jornalistas podem desafiar a censura através da publicação de  artigos com espaços em  branco onde artigos proibidos teriam aparecido, ou a polícia pode falhar repetidamente em  localizar e prender integrantes da oposição democrática procurados. Dividir as campanhas de  resistência em fases, por assunto e grupo populacional permitirá que determinados segmentos da população descansem enquanto a resistência continua.

A resistência seletiva é especialmente importante para defender a existência e a autonomia de  grupos e instituições sociais, econômicos e políticos independentes,  fora do controle da ditadura, que foram brevemente discutidos anteriormente. Estes centros de poder proporcionam as bases institucionais a partir das quais a população pode exercer pressão ou pode resistir aos controles ditatoriais. Na luta, eles são susceptíveis de  estar entre os primeiros alvos da ditadura.

Visando o poder dos ditadores

À medida que a luta de  longo prazo se desenvolve para além das estratégias iniciais em fases mais ambiciosas e avançadas, os estrategistas precisarão calcular como fontes de poder dos ditadores podem ser ainda mais restringidas. O objetivo seria usar não cooperação popular para criar uma situação estratégica mais vantajosa para as forças democráticas.

À medida que as forças da resistência democrática ganham força, os estrategistas criariam não cooperação e desafios mais ambiciosos para romper as fontes do poder da ditadura, com o objetivo de  aumentar a paralisia política, e no  final a desintegração da própria ditadura.

Será necessário planejar cuidadosamente a forma como as forças democráticas podem enfraquecer o apoio que as pessoas e grupos ofereciam anteriormente à ditadura. Será que seu apoio pode ser enfraquecido pelas revelações das brutalidades cometidas pelo regime, pela exposição das consequências desastrosas das políticas econômicas dos ditadores, ou por um novo entendimento de  que a ditadura pode ser terminada? Os defensores da ditadores deveriam pelo  menos ser induzido a se tornarem "neutros" (em cima do muro) em  suas atividades ou, preferencialmente, tornar-se apoiadores ativos do movimento pela democracia.

Durante o planejamento e implementação de  desafio político e não cooperação, é muito importante prestar atenção a todos os  principais adeptos e auxiliares dos ditadores, incluindo a sua camarilha interna, partido político, policiais e burocratas, mas especialmente o seu exército.

O grau de  lealdade das forças militares, tanto soldados quanto oficiais, à ditadura precisa ser cuidadosamente avaliado, e uma decisão deve  ser tomada quanto a se os militares estão abertos à influência das forças democráticas. Será que muitos dos soldados comuns são recrutas infelizes e assustados? Será que muitos dos soldados e oficiais são alienados do regime por motivos pessoais, familiares, ou políticos? Quais outros fatores podem tornar soldados e oficiais vulneráveis à subversão democrática?

Logo no  início da luta de  libertação, uma estratégia especial deve  ser desenvolvida para se comunicar com as tropas e funcionários dos ditadores. Por meio de  palavras, símbolos e ações, as forças democráticas podem informar as tropas que a luta de  libertação será forte, determinada e persistente. As tropas devem aprender que a luta terá um caráter especial, que visa minar a ditadura, mas não para ameaçar suas vidas. Tais esforços devem visar, em  última análise, minar o moral das tropas dos ditadores e, finalmente, subverter sua lealdade e obediência em  favor do movimento democrático. Estratégias semelhantes poderiam ser destinadas à polícia e funcionários públicos.

A tentativa de  angariar simpatia de  e, eventualmente, provocar a desobediência entre as forças dos ditadores não deve  ser interpretada, no  entanto, como significando o incentivo às forças militares para dar um final rápido à ditadura atual através de  ação militar. Tal cenário provavelmente não instalará uma democracia funcional, porque (como já discutimos) um golpe de  Estado faz pouco para reduzir o desequilíbrio das relações de poder entre a população e os governantes. Portanto, será necessário planejar como oficiais militares simpáticos aos democratas podem ser levados a compreender que nem um golpe militar, nem uma guerra civil contra a ditadura é necessário ou desejável. 

Oficiais simpáticos aos democratas podem desempenhar  um papel vital na luta democrática, por exemplo, através da propagação de  descontentamento e não cooperação das forças militares, encorajando ineficiências deliberada e ignorando silenciosamente as ordens, e apoiando a recusa de  realizar a repressão. Os militares também podem oferecer várias modalidades de  assistência não violenta positiva ao  movimento pró democracia, incluindo passagem segura, informações, alimentos, suprimentos médicos, e assim por diante.

O exército é uma das mais importantes fontes de  poder dos ditadores, porque ele  pode usar suas unidades militares disciplinadas e armas para atacar diretamente e punir a população desobediente. Os estrategistas do desafio devem lembrar que  será extremamente difícil, ou impossível, desintegrar a ditadura, se a polícia, os burocratas e as forças militares continuarem a ser plenamente favoráveis à ditadura e obedientes na execução de seus comandos . Estratégias destinadas a subverter a lealdade das forças dos ditadores devem receber alta prioridade pelos estrategistas democráticos.

As forças democráticas devem lembrar que a insatisfação e desobediência entre as forças militares e policiais podem ser altamente perigoso para os membros desses grupos. Soldados e policiais poderia esperar duras penalidades para qualquer ato de desobediência e pela execução de  atos de  rebelião. As forças democráticas não devem pedir que os soldados e oficiais se amotinem imediatamente. Em  vez disso, onde a comunicação é possível, deve  ficar claro que há uma infinidade de  formas relativamente seguras de  "desobediência disfarçada" que podem adotar inicialmente. Por exemplo, policiais e soldados podem realizar as instruções para a repressão de  forma ineficiente, falar em  localizar pessoas procuradas, alertar os resistentes sobre repressão iminente, detenções ou deportações e falhar em  comunicar informações importantes a seus oficiais superiores. Oficiais descontentes, por sua vez,  podem deixar de  enviar ordens para a repressão abaixo na cadeia de  comando. Os soldados podem atirar sobre as cabeças dos manifestantes. Da mesma forma, por sua vez,  os funcionários públicos podem perder arquivos e instruções, trabalhar ineficientemente, e ficar "doentes" para que precisem ficar em  casa até que se "recuperem".

Mudanças na estratégia

Os estrategistas do desafio político precisarão constantemente  avaliar como a grande estratégia e as estratégias de  campanha específicas estão sendo implementadas. É possível, por exemplo, que a luta possa não ir tão bem como esperado. Nesse caso, será necessário calcular quais mudanças na estratégia podem ser necessárias. O que pode ser feito para aumentar a força do movimento e recuperar a iniciativa? Em  tal situação, será necessário identificar o problema, fazer uma reavaliação estratégica, possivelmente transferir responsabilidades da luta para um grupo da população diferente, mobilizar fontes adicionais de  poder e desenvolver cursos de  ação alternativos. Quando isso é feito, o novo  plano deve  ser implementado imediatamente.


Por outro lado, se a luta foi muito melhor que o esperado e a ditadura está entrando em colapso mais cedo do que o calculado anteriormente, como podem as forças democráticas capitalizar os ganhos inesperados e avançar em  direção da paralização da ditadura? Exploraremos esta questão no  próximo capítulo. 





IX   -   DESINTEGRANDO A DITADURA


O efeito cumulativo de  campanhas de  desafio político bem conduzidas e bem sucedidas é o de  reforçar a resistência e estabelecer e expandir as áreas da sociedade, onde a ditadura enfrenta limites ao  seu controle efetivo. Essas campanhas também proporcionam uma experiência importante em  como recusar a cooperação e como oferecer desafio político. Essa experiência será de  grande ajuda quando chegar a hora de não-cooperação e desafio em  escala maciça.

Conforme foi discutido no  Capítulo Três, a cooperação, obediência e submissão são essenciais para que os  ditadores sejam poderosos. Sem acesso às fontes de  poder político, o poder dos ditadores se enfraquece e, finalmente, se dissolve. A retirada de  apoio é, portanto, a principal ação necessária para desintegrar uma ditadura. Ela pode ser útil para analisar como as fontes de  poder podem ser afetadas pelo  desafio político.

Atos de  repúdio simbólico e desafio estão entre os  meios disponíveis para minar a autoridade moral e política do regime - sua legitimidade. A maior autoridade do regime, a maior e mais confiável é a obediência e cooperação que ele  receberá. A desaprovação moral precisa ser expressa em  ação, a fim de  ameaçar seriamente a existência da ditadura. A retirada da cooperação e a obediência são necessárias para romper a disponibilidade de  outras fontes de  poder do regime.

Uma segunda e importante fonte de  poder são os recursos humanos, o número e a importância das pessoas e grupos que obedecem, cooperam com, ou ajudam os governantes. Se  a não-cooperação é praticada por grandes porções da população, o regime estará em sérios apuros. Por exemplo, se os  funcionários públicos não funcionam mais com a sua eficácia normal, ou até mesmo ficam em  casa, o aparelho administrativo será gravemente afetado.

Da mesma forma, se as pessoas e grupos não colaboradores incluírem aqueles que anteriormente forneciam habilidades e conhecimento especializado, então os ditadores verão a sua capacidade de  implementar suas vontades gravemente enfraquecida. Mesmo sua capacidade de  tomar decisões bem-informadas e desenvolver políticas eficazes pode ser seriamente reduzida.

Se  influências psicológicas e ideológicas - chamados fatores intangíveis - que normalmente induzem as pessoas a obedecer e ajudar os governantes são enfraquecidas ou revertidas, a população estará mais inclinada a acatar e a não cooperar.

O acesso dos ditadores aos recursos materiais também afeta diretamente o seu poder. Com o controle de  recursos financeiros, o sistema econômico, a propriedade, recursos naturais, transportes e meios de  comunicação nas mãos de  adversários reais ou potenciais do regime, outra importante fonte de  seu poder fica  vulnerável ou removida. Greves, boicotes e crescente autonomia da economia, comunicações e transporte enfraquecerão o regime.

Conforme discutido anteriormente, a capacidade dos ditadores de  ameaçar ou aplicar sanções - punições contra seções desobedientes, rebeldes, e não-cooperativas da população - é uma fonte central de  poder de  ditadores. Esta fonte de  poder pode ser enfraquecida de duas maneiras. Em  primeiro lugar, se a população está disposta, como em  uma guerra, ao arriscar sérias consequências como preço do desafio, a eficácia das sanções disponíveis será drasticamente reduzida (ou seja, a repressão dos ditadores não assegura a submissão desejada). Segundo, se a própria polícia e as forças militares se tornarem insatisfeitas, elas podem em  base individual ou em  massa simplesmente fugir ou desafiam diretamente as ordens para prender, bater ou atirar nos resistentes. Se  os ditadores já não podem confiar na polícia e nas forças militares para realizar a repressão, a ditadura está seriamente ameaçada.

Em  resumo, o sucesso contra uma ditadura entrincheirada exige  que a não-cooperação e o desafio reduzam e eliminem as fontes de  poder do regime. Sem reposição constante das fontes de  poder necessárias, a ditadura enfraquecerá e finalmente se desintegrará. Planejamento estratégico competente de  desafio político contra as ditaduras, por conseguinte, precisa visar as mais importantes fontes de  poder dos ditadores.

Escalada da liberdade

Combinado com o desafio político durante a fase de  resistência seletiva, o crescimento das instituições sociais, econômicas, culturais, políticas autônomas progressivamente alargam o "espaço democrático" da sociedade e reduzem o controle da ditadura. À medida que as instituições da sociedade civil se tornam mais fortes em  relação à ditadura, então, não importa o que os ditadores possam desejar, a população vai gradativamente construindo uma sociedade independente, fora do  seu controle. Se  e quando a ditadura intervém para interromper essa "escalada de  liberdade", a luta não violenta pode ser aplicada em  defesa deste espaço recém-conquistado e a ditadura será confrontada com mais uma "frente" na luta.

Com o tempo, essa combinação de  resistência e de  criação de  instituições pode conduzir à liberdade de  facto, provocando o colapso da ditadura e a instalação formal de  um sistema democrático inegável, pois as relações de poder dentro da sociedade foram fundamentalmente alteradas.

A Polônia nas décadas de70 e 80  fornece um exemplo claro da progressiva recuperação das funções de  uma sociedade e instituições através da resistência. A igreja católica tinham sido perseguida, mas nunca ficou sob controle completo dos comunistas. Em 1976, certos intelectuais e trabalhadores formaram pequenos grupos, tais como o KOR (Comitê de Defesa dos Trabalhadores) para promover suas ideias políticas. A organização do sindicato Solidariedade com o seu poder para comandar greves eficazes forçou sua própria legalização em  1980. Camponeses, estudantes, e muitos outros grupos também formaram as suas próprias organizações independentes. Quando os comunistas perceberam que esses grupos tinham mudado as realidades de  poder, o Solidariedade foi novamente banido e os comunistas recorreram ao  regime militar.

Mesmo sob a lei marcial, com muitas prisões e perseguição implacável, as novas instituições independentes da sociedade continuaram a funcionar. Por exemplo, dezenas de jornais e revistas ilegais continuaram a ser publicados. As editoras ilegais publicaram anualmente centenas de  livros, enquanto escritores conhecidos boicotavam publicações Comunistas e editoras do governo. Atividades semelhantes continuaram em  outras partes da sociedade.

Sob  o regime militar de  Jaruselski, o governo militar-comunista estava em  um ponto descrito como se debatendo no  topo da sociedade. Os funcionários ainda ocupavam escritórios e edifícios do governo. O regime ainda podia atacar a sociedade, com punições, prisões, detenções, apreensão de  rotativas e similares. A ditadura, no  entanto, não conseguia controlar a sociedade. A partir daí, foi só  uma questão de  tempo até que a sociedade fosse capaz de  derrubar completamente o regime.

Mesmo quando a ditadura ainda ocupava cargos no  governo, às vezes é possível organizar um "governo paralelo" democrático. Isto  cada vez mais operaria como um governo rival para o qual a lealdade, respeito, cooperação são dadas pela população e pelas instituições da sociedade. A ditadura, então, consequentemente, em  bases crescentes seria privada destas características de  governo. Eventualmente, o governo democrático paralelo pode substituir completamente o regime ditatorial, como parte da transição para um regime democrático. No devido tempo, então, uma Constituição seria aprovada e as eleições realizadas como parte da transição.

Desintegrando a Ditadura

Embora a transformação institucional da sociedade esteja ocorrendo, o movimento de desobediência e não cooperação pode escalar. Os estrategistas das forças democráticas devem contemplar bem cedo que chegará um momento em  que as forças democráticas podem ir além da resistência seletiva e lançar desafios em  massa. Na maioria dos casos, será necessário tempo para criar, construir ou expandir as capacidades de  resistência, e o desenvolvimento de  desafios em  massa só podem ocorrer após vários anos. Durante este período de  transição as campanhas de  resistência seletiva devem ser lançadas com objetivos políticos cada vez mais importantes. Os setores maiores da população em  todos os níveis da sociedade devem se envolver. Dado um desfio político determinado e disciplinado durante esta escalada de  atividades, as fraquezas internas da ditadura tendem a se tornar cada vez mais evidentes.

A combinação de  desafio político forte e criação de  instituições independentes provavelmente produzirá, com o tempo a atenção da comunidade internacional favorável às forças democráticas. Ela também pode produzir condenações internacionais diplomáticas, boicotes e embargos em  apoio às forças democráticas (como aconteceu no caso da Polônia).

Os estrategistas devem estar cientes de  que em  algumas situações o colapso da ditadura pode ocorrer muito rapidamente, como aconteceu na Alemanha Oriental em  1989. Isso pode acontecer quando as fontes de  poder são maciçamente cortadas como resultado da repulsa de  toda a população contra a ditadura. Esse padrão não é usual, entretanto, e é melhor planejar para uma luta de  longo prazo (mas estar preparado para uma luta curta).

Durante o curso da luta de  libertação, as vitórias, mesmo em  questões limitadas devem ser comemoradas. Aqueles que ganharam a vitória devem ser reconhecidos. Celebrações com vigilância deve  também ajudar a manter elevado o moral necessário para as futuras fases da luta.

Lidando com o sucesso de maneira responsável

Planejadores da grande estratégia devem calcular antecipadamente as maneiras possíveis e preferenciais em  que uma luta bem-sucedida pode ser mais bem realizada, a fim de evitar o surgimento de  uma nova ditadura e garantir o estabelecimento progressivo de  um sistema democrático durável.

Os democratas devem calcular como a transição da ditadura para o governo interino será tratada no  final da luta. É desejável naquele momento estabelecer rapidamente um novo governo funcional. Mas, ele  não deve  ser apenas o velho governo com novas pessoas. É necessário calcular quais seções da antiga estrutura governamental (como a polícia política) devem ser completamente abolidas devido ao  seu caráter inerentemente antidemocrático, e quais seções conservadas para serem submetidas a esforços de democratização posteriores. Um  completo vazio  governamental poderia abrir caminho para o caos ou  para uma nova ditadura.

Reflexão deve  ser dedicada com antecedência, a determinar qual deve  ser a política para altos funcionários da ditadura quando seu poder se desintegrar. Por exemplo, devem os ditadores serem levados a julgamento em  um tribunal? Ser-lhes-á permitido deixar o país de  forma permanente? Quais outras opções podem existir que sejam compatíveis com o desafio político, a necessidade de  reconstruir o país, e a construção de  uma democracia, após a vitória? Um  banho de  sangue devem ser evitado, que poderia ter consequências drásticas sobre a possibilidade de  um futuro sistema democrático.

Planos específicos para a transição para a democracia devem estar prontos para aplicação quando a ditadura estiver enfraquecendo ou desmoronando. Tais planos ajudarão a evitar que outro grupo tome o poder estatal através de  um golpe de  Estado. Planos para a instituição do governo democrático constitucional, com plena liberdade política e pessoal também serão necessários. As mudanças ganhas a um preço enorme não devem ser perdidas por falta de  planejamento.

Quando confrontado com a população cada vez mais capacitadas e o crescimento de grupos e instituições democráticas independentes - que a ditadura é incapaz de  controlar - os ditadores descobrirão que sua aventura inteira está se desfazendo. Paradas maciças da sociedade, greves gerais, paralizações em  massa, marchas desafiadoras, ou outras atividades minarão cada vez mais a organização dos próprios ditadores e instituições relacionadas. Como consequência de  tal desafio e não cooperação, executada com sabedoria e com participação em  massa ao  longo do tempo, os ditadores se tornariam impotentes e os defensores da democracia triunfariam sem violência. A ditadura se desintegraria diante da população desafiadora.


Nada desse esforço será bem-sucedido, especialmente não facilmente, e raramente rapidamente. Deve  ser lembrado que, como tantas guerras militares são perdidas quantas são vencidas. Mas, o desafio político oferece uma possibilidade real de  vitória. Conforme afirmado anteriormente, essa possibilidade pode ser muito aumentada através do desenvolvimento de  uma grande estratégia sensata, planejamento estratégico cuidadoso, trabalho árduo, e luta disciplinada e corajosa. 



X   -  BASES PARA A DEMOCRACIA DURÁVEL


A desintegração da ditadura é, naturalmente, motivo de  grande comemoração. As pessoas que sofreram por muito tempo e esforçaram-se por um preço enorme merecem um tempo de  alegria, relaxamento e reconhecimento. Eles devem se sentir orgulhosos de  si mesmos e de  todos os  que lutaram com eles para ganhar a liberdade política. Nem  todos viverão para ver  esse dia. Os vivos  e os  mortos serão lembrados como heróis que ajudaram a moldar a história da liberdade em  seu país.

Infelizmente, este não é um momento para redução da vigilância. Mesmo no  caso de  uma desintegração bem-sucedida da ditadura através do desafio político, precauções cuidadosas deve  ser tomadas para evitar o surgimento de  um novo  regime opressor a partir da confusão após o colapso do antigo regime. Os líderes das forças pró-democracia devem ter-se preparado com antecedência para uma transição ordenada para a democracia. As estruturas ditatoriais precisarão ser desmontadas. As bases constitucionais e legais e os padrões de  comportamento de  uma democracia duradoura precisarão ser construídos.

Ninguém deve  acreditar que com a queda da ditadura, uma sociedade ideal aparecerá imediatamente. A desintegração da ditadura simplesmente fornece o ponto de  partida, em condições de  maior liberdade, para esforços de  longo prazo para melhorar a sociedade e satisfazer as necessidades humanas de  forma mais adequada. Graves problemas políticos, econômicos e sociais continuarão durante  anos, exigindo a cooperação de muitas pessoas e grupos na busca de  sua resolução. O novo sistema político deve proporcionar as oportunidades às pessoas com diferentes perspectivas e medidas favoráveis para continuar o trabalho construtivo e desenvolvimento de  políticas para lidar com problemas no  futuro.

Ameaças de uma nova ditadura

Aristóteles advertiu há muito tempo que ". . . a tirania pode também se transformar em tirania... "14. Há ampla evidência histórica da França (os Jacobinos e Napoleão), Rússia (os bolcheviques), Irã (o aiatolá), Birmânia (SLORC), e outros lugares onde o colapso de um regime opressivo será visto por algumas pessoas e grupos como mera oportunidade para entrar em  cena como novos senhores. Seus motivos podem variar, mas os resultados são aproximadamente os mesmos. A nova ditadura pode ser até mais cruel e total no  seu controle do que a antiga.

Mesmo antes do colapso da ditadura, os membros do antigo regime podem tentar abreviar a luta de  desafio pela democracia, encenando um golpe de  Estado destinado a antecipar a vitória da resistência popular. Eles podem alegar derrubar a ditadura, mas na verdade procuram apenas impor um novo  modelo renovado do antigo regime.

Bloqueando golpes

Existem várias maneiras em  que os  golpes contra as sociedades recém-libertadas podem ser derrotados. Conhecimento antecipado daquela capacidade de  defesa às vezes pode ser suficiente para impedir a tentativa. A preparação pode produzir prevenção.
Imediatamente após um golpe ter começado, os golpistas exigem legitimidade, ou seja, a aceitação de  seu direito moral e político de  governar. O primeiro princípio básico de defesa antigolpe é, portanto, negar a legitimidade aos golpistas.
______________
14 Aristóteles, A Política, Livro  V, Capítulo 12, p. 233. 


Os golpistas também exigem que os  líderes civis  e da população sejam apoiadores, confusos, ou apenas passivos. Os golpistas exigem a colaboração de  especialistas e assessores, burocratas e funcionários públicos, administradores e juízes, a fim de consolidar seu controle sobre a sociedade afetada. Os golpistas também exigem que a multidão de pessoas que operam o sistema político, as instituições da sociedade, a economia, a polícia e as forças militares passivamente se apresentem e executem suas funções habituais, alteradas pela ordens e políticas dos golpistas.

O segundo princípio básico de  defesa antigolpe é resistir aos golpistas através de  não cooperação e desafio. A cooperação e a assistência necessária devem ser negadas. Basicamente, os mesmos meios de  luta que foram usados contra a ditadura podem ser usados contra a nova ameaça, mas aplicados imediatamente. Se  tanto a legitimidade quanto a cooperação forem negados, o golpe pode morrer de  inanição política e a chance de  construir uma sociedade democrática restaurada.

Elaboração da Constituição

O novo  sistema democrático exigirá uma constituição que estabeleça o quadro desejado para o governo democrático. A Constituição deve  estabelecer os propósitos do governo, limites dos poderes governamentais, os meios e o calendário de  eleições em  que os funcionários governamentais e parlamentares serão escolhidos, os direitos inerentes ao povo, e a relação do governo nacional com outros níveis inferiores de  governo .

Dentro do governo central, se é para continuar democrático, uma divisão clara da autoridade deve  ser estabelecida entre os poderes legislativo, executivo e judiciário do governo. Fortes restrições devem ser incluídas às atividades da polícia, serviços de inteligência e forças militares para proibir qualquer tipo de  interferência política legal.

No interesse de  preservar o sistema democrático e impedir tendências e medidas ditatoriais, a constituição deve  ser preferencialmente uma que estabeleça um sistema federal com significativas prerrogativas reservadas para os níveis estadual, regional e local de  governo. Em  algumas situações, o sistema suíço de  cantões pode ser considerado em  que áreas relativamente pequenas retêm prerrogativas mais importantes, ao  mesmo tempo em  que continua a fazer parte do país como um todo.

Se  uma Constituição com muitas dessas características existia antes na história do país recém-libertado, pode ser sábio simplesmente restaurar sua operação, alterando-a conforme necessário e desejável. Se  uma Constituição mais antiga adequada não existir, pode ser necessário operar com uma constituição provisória. Caso contrário, uma nova Constituição precisará ser preparada. Preparar uma nova Constituição exigirá tempo e reflexão consideráveis. A participação popular neste processo é desejável e necessária para a ratificação de  um novo  texto ou alterações. Deve-se ser muito cauteloso sobre a inclusão na Constituição de  promessas que mais tarde podem se provar impossíveis de implementar ou disposições que exigiriam um governo altamente centralizado, porque ambos podem facilitar uma nova ditadura.

O texto da Constituição deve  ser facilmente entendido pela maioria da população. Uma constituição não deve  ser tão complexa ou ambígua que apenas os  advogados ou  outras elites pode pretender compreendê-la.

Um política de defesa democrática

O país libertado também pode enfrentar ameaças externas para as quais seria necessária uma capacidade de  defesa. O país também pode ser ameaçado por tentativas estrangeiras de  estabelecer dominação econômica, política ou militar. 

No interesse da manutenção da democracia interna, grande consideração deve  ser dada à aplicação dos princípios básicos de  desafio político para as necessidades da defesa nacional.15  Colocando capacidade de  resistência diretamente nas mãos dos cidadãos, países recém-libertados puderam evitar a necessidade de  estabelecer uma forte capacidade militar que pudesse ameaçar a própria democracia ou exigir vastos recursos econômicos tão necessários para outros fins.

Deve  ser lembrado que alguns grupos ignorarão qualquer disposição constitucional em seu objetivo de  se estabelecerem como novos ditadores. Portanto, um papel permanente existirá para a população aplicar desafio político e não cooperação contra pretensos ditadores, e para preservar as estruturas, direitos e procedimentos democráticos.

Uma responsabilidade meritória

O efeito da luta não violenta não é apenas enfraquecer e remover os ditadores, mas também dar poder aos oprimidos. Esta técnica permite que as pessoas que antes se sentiam apenas peões ou vítimas exercer o poder diretamente, a fim de  obter por seus próprios esforços maior liberdade e justiça. Esta experiência de  luta tem importantes consequências psicológicas, contribuindo para o aumento da autoestima e autoconfiança entre aqueles anteriormente impotentes.

Uma das consequências benéficas de  longo prazo importantes da utilização da luta não violenta para estabelecer um governo democrático é que a sociedade será mais capaz de lidar com problemas contínuos e futuros. Estes podem incluir futuro abuso governamental e corrupção, maus tratos de  qualquer grupo, injustiças econômicas, e limitações das qualidades democráticas do sistema político. A população com experiência na utilização de  desafio político menos provavelmente será vulnerável às futuras ditaduras.

Após a libertação, a familiaridade com a luta não violenta fornecerá os meios para defender a democracia, as liberdades civis, direitos das minorias, e as prerrogativas do Estado, regionais, governos locais e instituições não-governamentais. Tais meios também fornecem maneiras pelas quais as pessoas e grupos possam expressar discordância de forma pacífica em  questões vistas como tão importante que grupos de  oposição algumas vezes, recorreram ao  terrorismo ou à guerra de  guerrilha.

Os pensamentos neste exame do desafio político ou da luta não violenta se destinam a ser úteis a todas as pessoas e grupos que buscam se livrar da opressão ditatorial de  seu povo  e estabelecer um sistema democrático durável, que respeite as liberdades humanas e a ação popular para melhorar a sociedade.

Existem três conclusões mais importantes às ideias esboçadas aqui:


  • A libertação de  ditaduras é possível;
  • Reflexão muito cuidadosa e planejamento estratégico serão necessários para alcançá-lo, e
  • Vigilância, trabalho árduo e luta disciplinada, muitas vezes a grande custo, serão necessários.
_________

15 Ver Gene Sharp, Civilian-Based Defense: A Post-Military Weapons System (Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1990). 


A frase muito citada "A liberdade não é livre" é verdadeira. Nenhuma força externa está vindo para dar aos povos oprimidos, a liberdade que eles tanto desejam. As pessoas terão de  aprender a conquistar, elas mesmas, aquela liberdade. Fácil, não pode ser.


Se  as pessoas puderem entender o que é necessário para sua própria libertação, elas podem traçar rotas de  ação que, através de  muitas dores, podem, com o tempo, lhes trazer sua liberdade. Então, com a diligência eles podem construir uma nova ordem democrática e preparar sua defesa. A liberdade conquistada por luta desse tipo pode ser duradoura. Ela pode ser mantida por um povo  tenaz comprometido com a sua preservação e enriquecimento. 



APÊNDICE UM OS  MÉTODOS DE  AÇÃO NÃO VIOLENTA 16

OS  MÉTODOS DE  PROTESTO NÃO VIOLENTOS E PERSUASÃO

Declarações formais

1. Discursos públicos

2. Cartas de  oposição ou de  apoio

3. Declarações de  organizações e instituições

4. Declarações públicas assinadas

5. Declarações da acusação e de  intenção

6. Comunicações de  petições em  

Grupo ou em  massa Comunicação com uma audiência mais ampla

7. Slogans, caricaturas e símbolos

8. Banners, cartazes e comunicações exibidas

9. Folhetos, panfletos e livros

10. Jornais e revistas

11. Discos, rádio e televisão

12. Escritas com fumaça no céu ou na terra

Representações em grupo

13. Delegações

14. Prêmios satíricos

15. Grupos de  lobby

16. Piquetes

17. Simulacros de  eleições

Atos públicos simbólicos

18. Exibição de  bandeiras e cores simbólicas

19. Uso  de  símbolos

20. Oração e culto

21. Entrega de  objetos simbólicos

22. Nudez em  protesto

23. Destruição de  propriedade própria

24. Luzes simbólicas

25. Mostra de  retratos
__________________
16 Esta lista, com  definições e exemplos históricos, é retirada de  Gene Sharp, The Politics of Nonviolent Action, Parte II, The Methods of Nonviolent Action. 


26. Pintura como forma de  protesto

27. Novos sinais e nomes

28. Sons simbólicos

29. Reclamações simbólicas

30. Gestos rudes

Pressões sobre os indivíduos

31. "Atormentar" funcionários

32. "Insultar" funcionários

33. confraternização

34. Vigílias

Teatro e música

35. Sketches cômicos e brincadeiras

36. Desempenho de  jogos e música

37. Canto

Procissões

38. Marchas

39. Desfiles

40. Procissões religiosas

41. Peregrinações

42. Cortejos

Homenagem aos mortos

43. Luto Político

44. Simulacros de  funerais

45. Funerais demonstrativos

46. Peregrinação a locais de  sepultamento

Assembleias públicas

47. Assembleias de  protesto ou de  apoio

48. Reuniões de  protesto

49. Reuniões camufladas de  protesto

50. Invasões de  aulas

Retirada e renúncia

51. Abandono de  recinto

52. Silêncio

53. Renúncias a homenagens 

54. Virar as costas


MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO SOCIAL

ostracismo de pessoas

55. boicote Social

56. Boicote social seletivo

57. greve de  sexo

58. Excomunhão

59. Interdições

não cooperação com os eventos sociais, costumes e instituições

60. Suspensão de  atividades sociais e esportivas

61. Boicote a assuntos sociais

62. Greve estudantil

63. Desobediência Social

64. Retirada de  instituições sociais

Retirada do sistema social

65. Permanência em  casa

66. Não-cooperação pessoal total

67. Fuga de  trabalhadores

68. Santuário

69. Desaparecimento coletivo

70. Emigração em  protesto (hegira)


OS  MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO ECONÔMICA: (1) BOICOTES ECONÔMICOS

ação por parte de consumidores

71. boicote de  consumidores

72. Não-consumo de  mercadorias boicotadas

73. Política de  austeridade

74. Retenção de  aluguel

75. Recusa de  alugar

76. boicote nacional de  consumidores

77. Boicote internacional de  consumidores

ação por parte dos trabalhadores e produtores

78. Boicote de  Trabalhadores

79. Boicote de  produtores 


Ações por intermediários

80. Boicote de  Fornecedores e manipuladores

ação de proprietários e gerentes

81. Boicote de  negociadores

82. Recusa a alugar ou vender imóveis

83. Locaute

84. Recusa de  assistência industrial

85. "Greve geral" de  comerciantes

Ação por parte dos titulares de recursos financeiros

86. Retirada de  depósitos bancários

87. Recusa de  pagamento de  taxas, encargos e multas

88. Recusa de  pagamento de  dívidas ou de  juros

89. Corte de  fundos e de  crédito

90. Recusa da receita

91. Recusa de  dinheiro de  um governo

ação de governos

92. Embargo Doméstico

93. "Lista negra" de  comerciantes

94. Embargo de  vendedores internacionais

95. Embargo de  compradores internacionais

96. Embargo de  comércio internacional

OS  MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO ECONÔMICA: (2) GREVE

greves simbólicas

97. greve de  protesto

98. Paralização rápida (greve relâmpago)

greves agrícolas

99. Greve de  camponeses

100. Greve de  trabalhadores agrícolas

Greves de grupos especiais

101. Recusa de  trabalho impresso

102. Greve de  prisioneiros

103. Greve de  Artesãos

104. Greve Profissional 


Greves industriais comuns

105. Greve de  Estabelecimento

106. Greve de  Indústria

107. Greve de  Simpatia

greves restritas

108. Greve detalhada

109. Greve de  recusa

110. Operação tartaruga

111. Operação padrão

112. Informe de  "doença"

113. Greve por demissão

114. greve limitada

115. greve seletiva

greves multi-industriais

116. greve generalizada

117. Greve geral

combinações de greves e fechamentos econômicos

118. Hartal (fechamento geral)

119. Desligamento Econômico


MÉTODOS DE NÃO COOPERAÇÃO POLÍTICA

rejeição da autoridade

120. Retirada ou contingenciamento de  fidelidade

121. Recusa de  apoio público

122. Literatura e discursos defendendo a resistência

não-cooperação dos cidadãos com o governo

123. Boicote de  corpos legislativos

124. Boicote às eleições

125. Boicote de  emprego e cargos no  governo

126. Boicote aos departamentos governamentais, agências e outros órgãos

127. Retirada de  instituições de  ensino governamentais

128. Boicote de  organizações apoiadas pelo  governo

129. Recusa de  assistência aos agentes da lei

130. Remoção de  sinais próprios e marcadores

131. Recusa em  aceitar funcionários nomeados 


132. Recusa a dissolver as instituições existentes

alternativas dos cidadãos à obediência

133. Respeito relutante e lento

134. Não-obediência na ausência de  supervisão direta

135. Não-obediência Popular

136. Desobediência disfarçada

137. Recusa de  uma assembleia ou reunião dispersar-se

138. Ocupação sentada

139. Não-cooperação com o serviço militar obrigatório e deportação

140. Ocultação, fuga e identidades falsas

141. Desobediência civil a leis "ilegítimas"

ação de funcionários do governo

142. Recusa seletiva de  assistência por assessores do governo

143. Bloqueio de  linhas de  comando e informações

144. Retardamento e obstrução

145. não-cooperação administrativa geral

146. Não-cooperação judiciária

147. Ineficiência deliberada e não-cooperação seletiva de  agentes da lei

148. Motim

Ação governamental doméstica

149. Evasões semilegais e atrasos

150. Não-cooperação por unidades governamentais

ação governamental internacional

151. Mudanças na representação diplomática e outras representações

152. Atraso e cancelamento de  eventos diplomáticos

153. Retenção do reconhecimento diplomático

154. Rompimento das relações diplomáticas

155. Retirada de  organizações internacionais

156. Recusa de  participação em  organismos internacionais

157. Expulsão de  organizações internacionais


OS  MÉTODOS DE  INTERVENÇAO NÃO VIOLENTA

intervenção psicológica

158. Auto exposição aos elementos

159. Jejum 


(a) Jejum de  pressão moral

(b) Greve de  fome

(c) jejum Satyagrahica

160. Julgamento reverso

161. Assédio não violento

Intervenção física

162. Ocupação sentada

163. Ocupação de  pé

164. Ocupação de  meios de  transporte

165. Ocupação de  rios

166. Ocupação de  usinas

167. Ocupação rezando

168. Ataques Não  violentos

169. Bombardeios aéreos não violentos

170. Invasão não violenta

171. interjeição não violenta

172. Obstrução não violenta

173. Ocupação não violenta

intervenção social

174. Estabelecimento de  novos padrões sociais

175. Sobrecarga de  instalações

176. interferência retardatoria

177. Intervenção com discursos

178. Teatro de  guerrilha

179. Instituições sociais alternativas

180. Sistema alternativo de  comunicação

Intervenção econômica

181. Greve reversa

182. Greve com permanência

183. Ocupação de  terra não violenta

184. Desafio a bloqueios

185. Falsificação politicamente motivada

186. Compra preventiva

187. Apreensão de  bens

188. Dumping

189. Patrocínio Seletivo 


190. Mercados alternativos

191. Sistemas de  transporte alternativo

192. Instituições econômicas alternativas

Intervenção política

193. Sobrecarga dos sistemas administrativos

194. Revelação da identidades de  agentes secretos

195. Busca de  prisão

196. Desobediência civil de  leis "neutras"

197. Trabalho sem colaboração


198. Dupla soberania e governo paralelo 




APÊNDICE DOIS  AGRADECIMENTOS E NOTAS SOBRE A HISTÓRIA  DE  DA DITADURA  À DEMOCRACIA

Tenho várias dívidas de  gratidão ao  escrever a edição original deste ensaio. Bruce Jenkins, meu assessor especial em  1993, deu uma contribuição inestimável com sua identificação de problemas em  conteúdo e apresentação. Ele  também fez recomendações incisivas para apresentações mais rigorosas e precisas das ideias difíceis (especialmente em  matéria de estratégia), reorganização estrutural e melhorias de  redação.

Também sou grato pela assistência editorial de  Stephen Coady. Dr. Christopher Kruegler e Robert Helvey ofereceram críticas e conselhos muito importantes. Dr. Hazel McFerson e Dra. Patrícia Parkman forneceram informações sobre as lutas na África e na América Latina, respectivamente. Mas, a análise e as conclusões aqui contidas são exclusivamente de  minha responsabilidade.

Nos últimos anos, orientações especiais para traduções foram desenvolvidas, principalmente devido à orientação de  Jamila Raqib e às lições aprendidas em  anos anteriores. Isso foi necessário para garantir a precisão de  linguagem em  que se tenha sido anteriormente estabelecida uma terminologia clara para este campo.


"Da ditadura  à Democracia" foi escrito a pedido do falecido U Tin Maung Win, um proeminente democrata birmanês exilado que era então editor do Khit Pyaing (O Jornal Nova  Era).

A preparação do presente texto baseou-se em  mais de  quarenta anos de  pesquisa e escrita sobre a luta não violenta, ditaduras, regimes totalitários, movimentos de resistência,  teoria política, análise sociológica, e outros campos.

Eu não poderia escrever uma análise que tivesse um foco  apenas na Birmânia, pois eu não conhecia bem a Birmânia. Portanto, eu tinha que escrever uma análise genérica.

O ensaio foi publicado originalmente em  capítulos em  birmanês Khit Pyaingin e inglês em Bangkok, Tailândia, em  1993. Posteriormente, foi emitido como um livreto em  ambos os idiomas (1994) e, uma vez mais, em  birmanês (1996 e 1997). As edições em  brochura original de  Bangkok foram publicadas com o apoio da Comissão para a Restauração da Democracia na Birmânia.

Ela circulou tanto sub-repticiamente na Birmânia quanto entre exilados e simpatizantes em outros lugares. Esta análise destinava-se exclusivamente para uso dos democratas birmaneses e vários grupos étnicos da Birmânia, que queriam a independência do governo central dominado pelos Birmaneses em  Rangun. (Birmaneses são o grupo étnico dominante na Birmânia).

Eu não percebi, então, que o foco  genérico tornasse a análise potencialmente relevantes em qualquer país com um governo autoritário ou ditatorial. No entanto, essa parece ter sido a percepção que pessoas que nos últimos anos têm procurado traduzi-lo e distribuí- lo nos idiomas de  seus países. Várias pessoas relataram que pode ser lido  como se fosse escrito para o seu país. 

A ditadura militar SLORC  de  Rangun não perdeu tempo em  denunciar esta publicação. Pesados ataques foram feitos em  1995 e 1996, e teriam continuado nos últimos anos em jornais, rádio e televisão. Ainda em  2005, pessoas eram condenadas a penas de  prisão de sete anos apenas por estar na posse da publicação proibida.

Embora nenhum esforço tenha sido feito para promover a publicação para uso em  outros países, traduções e distribuição da publicação começaram a se espalhar por conta própria. Uma cópia da edição em  idioma Inglês foi vista em  exposição na vitrine de  uma livraria em Bangkok por um estudante da Indonésia, foi comprado e levado de  volta para casa. Lá,  ele foi traduzido para o indonésio e publicado em  1997 por uma grande editora da Indonésia com uma introdução de  autoria de  Abdurrahman Wahid. Ele  era, então, chefe da Nadhlatul Ulama, a maior organização muçulmana do mundo, com trinta e
cinco milhões de  membros, e mais tarde presidente da Indonésia.

Durante este tempo, em  meu escritório na Albert Einstein Institution tínhamos apenas um punhado de  fotocópias do livrinho de  Bangkok em  inglês. Durante alguns anos tivemos de fazer cópias dele quando tínhamos pedidos para os quais ele  era relevante. Mais tarde, Marek Zelaskiewz, da Califórnia, levou uma dessas cópias a Belgrado durante o tempo de Milosevic e deu-a à organização Civic  Initiatives. Eles o traduziram para o sérvio e o publicaram. Quando visitei a Sérvia, após o colapso do regime de  Milosevic foi- nos dito que o livro tinha sido bastante  influente no  movimento de  oposição.

Igualmente importante foi o seminário sobre luta não violenta que Robert Helvey, um coronel do Exército americano aposentado, tinha dado em  Budapeste, Hungria, a cerca de vinte jovens sérvios sobre a natureza e o potencial da luta não violenta. Helvey também lhes deu cópias completas de  A Política de  Ação  Não  violenta. Estas foram as pessoas que se tornaram a organização Otpor que liderou a luta não violenta que derrubou Milosevic.

Geralmente não sabemos como o conhecimento desta publicação se espalhou de  um país para outro. Sua disponibilidade em  nosso site, nos últimos anos tem sido importante, mas claramente este não é o único fator. Rastrear estas conexões seria um importante projeto de pesquisa.

"Da Ditadura à Democracia" é uma análise pesada e não é uma leitura  fácil. Mesmo assim, ela tem sido considerada importante o suficiente para ter pelo  menos 28  traduções (até Janeiro de  2008) a serem preparadas, embora elas exijam muito trabalho e despesa.

As traduções da publicação em  versão impressa ou o site Web  incluem os seguintes idiomas: Amárico (Etiópia), árabe, azeri (Azerbaijão), Bahasa da Indonésia, Bielorrusso, Birmanês, Chin (Birmânia), Chinês (simplificado e Mandarim tradicional), Dhivehi (Maldivas), Persa (Irã), Francês,  Georgiano, Alemão, Jing Paw (Birmânia), Karen (Birmânia), Khmer (Camboja) Curdo, Quirguiz (Quirguistão), Nepalês, Pashto (Afeganistão e Paquistão), Russo, Sérvio, Tibetano, Espanhol, Tigrinya (Eritreia), Ucraniano, Usbeque (Uzbequistão), e Vietnamita. Vários outros estão em  preparação.

Entre 1993 e 2002 houve seis traduções. Entre 2003 e 2008 houve 22.

A grande diversidade das sociedades e idiomas em  que as traduções se espalharam apoiam a conclusão de  que as pessoas que inicialmente se deparar com este documento viram que sua análise é relevantes para a sociedade.

Gene Sharp
Janeiro de  2008
Albert Einstein Institution

Boston, Massachusetts 


APÊNDICE TRÊS
UMA NOTA SOBRE AS TRADUÇÕES E REIMPRESSÃO DESTA PUBLICAÇÃO

Para facilitar a divulgação desta publicação, ela foi colocada no domínio público. Isso significa que qualquer pessoa está livre para reproduzi-la ou divulgá-la.

O autor, no  entanto, tem vários pedidos que ele  gostaria de  fazer, embora os indivíduos não tenham a obrigação legal de  acatar tais pedidos.

  • O autor pede que nenhuma alteração seja feita no texto, acréscimos ou supressões, e ele  for reproduzido.
  • O autor solicita a notificação de  indivíduos que pretendam reproduzir este documento. A notificação pode ser enviada ao  Albert Einstein Institution (informações de  contato aparecem no  início desta publicação, imediatamente antes do Índice).
  • O autor pede que, se esse documento for ser traduzido, muito cuidado seja tomado para preservar o significado original do texto. Alguns dos termos na presente publicação não se traduzem facilmente em  outras línguas como equivalentes diretos para a "luta não violenta" e termos relacionados podem não estar disponíveis. Assim, cuidadosa atenção deve  ser prestada à forma como estes termos e conceitos devam ser traduzidos, de  forma a ser entendido exatamente por novos leitores.
Para os indivíduos e grupos que queiram traduzir este trabalho, a Instituição Albert Einstein desenvolveu um conjunto padrão de  processos de  tradução que podem ajudá- las. Eles são os seguintes:

  • Ocorre um processo de  seleção para selecionar um tradutor. Os candidatos são avaliados quanto à sua fluência em  Inglês e na língua em  que o trabalho será traduzido. Os candidatos também são avaliados quanto aos seus conhecimentos gerais em  torno da matéria e sua compreensão dos termos e conceitos presentes no  texto.
  • Um  avaliador é selecionado através de  um processo semelhante. A tarefa do avaliador consiste em  examinar criticamente a tradução e fornecer feedback e críticas ao tradutor. Muitas vezes, é melhor que o tradutor e o avaliador não conheçam a identidade um do outro.
  • Uma vez que o tradutor e avaliador sejam selecionados, o tradutor apresenta uma amostra de  tradução de  duas ou  três páginas do texto, bem como uma lista de  um número significativo de  termos-chave que estão presentes no  texto.
  • O avaliador avalia esta amostra de  tradução e apresenta comentários ao  tradutor.
  • Se existirem problemas mais importantes entre a tradução da amostra do  tradutor e avaliação do avaliador daquela tradução, então, ou o tradutor ou o avaliador pode ser substituído, dependendo da decisão do indivíduo ou grupo que está patrocinando a tradução. Se  existem problemas menos importantes, o tradutor prossegue com a tradução completa do  texto, levando em  conta as observações do avaliador.
  • Uma vez que todo o texto esteja traduzido, o avaliador avalia o texto inteiro e dá um feedback para o tradutor.
  • Uma vez que o tradutor tenha considerou este feedback e feito as alterações necessárias, a versão final do texto está completa e o livro traduzido estará pronto para ser impresso e distribuído. 

LEITURA  COMPLEMENTAR


1.  The  Anti-Coup por Gene Sharp  e Bruce Jenkins. Boston: The Albert Einstein
Institution, 2003.

2.  Dictionary of Civilian Struggle: Technical Terminology of Nonviolent Action and the
Control of Political  Power por Gene Sharp. Próxima publicação.

3.  On Strategic Nonviolent Conflict: Thinking About the  Fundamentals  por Robert L.
Helvey. Boston: The Albert Einstein Institution, 2002.

4.  The  Politics  of Nonviolent Action (3 vols.)  por Gene Sharp. Boston: Extending
Horizons Books, Porter Sargent Publishers, 1973.

5.  Self-Liberation por Gene Sharp  com a ajuda  de  Jamila Raqib. Boston: The Albert
Einstein Institution, 2010.

6.  Social Power and Political  Freedom por Gene Sharp. Boston: Extending Horizons
Books, Porter Sargent Publishers, 1980.

7.  There Are  Realistic Alternatives por Gene Sharp. Boston: The Albert Einstein
Institution, 2003.

8.  Waging Nonviolent Struggle: 20th Century Practice and 21st Century Potential por
Gene Sharp. Boston: Extending Horizons Books, Porter Sargent Publishers, 2005. Para informações sobre pedidos, favor contatar:
The Albert Einstein Institution

P.O. Box  455
East Boston, MA 02128, USA Tel: USA +1 617-247-4882
Fax: USA +1 617-247-4035
E-mail:  einstein@igc.org
Website: www.aeinstein.org

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